Getting your Trinity Audio player ready...
|
O Mapa das Cortes (1749) é um interessante marco da história diplomática. Foi utilizado durante as negociações do Tratado de Madrid (1750) — que viria a substituir o Tratado de Tordesilhas – e foi essencial para que Portugal conseguisse aumentar consideravelmente o território brasileiro.
O Tratado de Tordesilhas (1494) surge a partir da insatisfação das Coroas de Portugal e da Espanha com os processos de arbitragem feitos pela Santa Sé e que deram origem à Bula Inter Coetera (1493), que estipulava a divisão do mundo em uma linha imaginária a 100 léguas da Ilha de Açores, sendo tudo que estivesse a oeste da linha da Espanha e a leste de Portugal.
Tal fato fez com que as Coroas Ibéricas realizassem tratativas sem intermediários. Surge, assim, em 1494, o Tratado de Tordesilhas, que partilhou o “mar oceano”, a partir das conquistas espanholas e portuguesas tendo como base o meridiano situado a 370 léguas a oeste do arquipélago de Cabo Verde. De acordo com Hélio Vianna¹, é o Tratado de Tordesilhas o documento mais importante de nossa história diplomática, porque negociado entre Estados.
A aplicação de Tordesilhas foi minada pela imprecisão das medidas adotadas, pela ausência de indicação de qual das ilhas do mencionado arquipélago serviria de referência e pela magnitude dos obstáculos para delimitar. Outro fator que acendeu a necessidade de revisão de Tordesilhas foi o surgimento dos movimentos das bandeiras paulistas e amazônicas, responsáveis pela obtenção de novas fontes de riqueza e pelo desenho dos limites da Colônia.
Esses fatos, somados aos embates entre as duas frentes na região platina — Conflito do Prata (1735–1737) — e a conjuntura interna nas Cortes de Portugal e Espanha², favoreceram negociações que resultaram no Tratado de Madrid, marco da diplomacia brasileira. Tal afirmação se justifica pela atuação de Alexandre de Gusmão. O diplomata servia à Corte portuguesa, apesar de ser brasileiro. O Mapa das Cortes, inclusive, foi produzido sob orientações de Gusmão.
Durante o processo negociador, diversos mapas foram utilizados a fim de que se criassem estratégias negociadoras. Um deles foi o de Mateus Seutter. A carta foi utilizada por ambas as Cortes pois dispunha de credibilidade e relevante difusão entre os interessados na geografia do Brasil. Um aspecto importante em relação ao mapa é que ele mantinha um alargamento intencional dos domínios espanhóis para ocidente. Conforme explica Clemente Ferreira:
De acordo com a fonte cartográfica, por exemplo, à latitude do Espírito Santo deveria surgir no Mapa das Cortes o Oceano Pacífico numa extensão superior a um grau de longitude o que não se verifica. Parece-nos haver aqui uma intenção evidente de querer minimizar junto do negociador espanhol a dimensão dos territórios portugueses, limitados pelo Oceano Atlântico, em oposição à ideia de domínios espanhóis “intermináveis”. O Mapa das Cortes transmite, desta forma, informação manipulada, o que ilustra a sua importância para uma tomada de decisão estratégica.³
O mapa continha erros comuns se considerarmos o período em que foi produzido, no entanto, a longitude de Vila Boa de Goiás, calculadas apenas com um erro aproximado de 1 grau pela missão dos padres matemáticos, o que lhe permitiria concluir que o Paraguai nos mapas jesuítas estava demasiadamente desviado para leste.
Na visão de Clemente Ferreira, o Mapa das Cortes foi produzido com fins diplomáticos. Alexandre de Gusmão, assim como os demais negociadores de Portugal, conheciam de forma pormenorizada as produções cartográficas, em contraposição aos diplomatas espanhois. Em razão de diversas estratégias políticas aplicadas ao desenho do mapa, a exemplo de escolhas de pontos geográficos que favoreceram a Portugal e ao território do Brasil, bem como o uso do uti possidetis, princípio de direito que garante a posse de um território aos que lá ocupam, deram novo traçado do Brasil.
Na visão de Synésio Sampaio, em contraposição às afirmações de Hélio Vianna, é o Mapa das Cortes o mais relevante instrumento cartográfico da história do Brasil.
Conclusões
O Mapa das Cortes serviu à diplomacia portuguesa em seu tempo, mas principalmente a o que viria a ser a diplomacia brasileira. Primeiro porque iniciou processos de formação de nosso território a traçados muito próximos dos atuais, respeitadas as enormes diferenças; em segundo lugar, os processos negociais, formas de barganha, não uso de violência passaram a pautar nossa diplomacia moderna, especialmente nosso patrono, Barão do Rio Branco.
Embora tenha sofrido alterações posteriores, especialmente na região do Prata, o Mapa das Cortes — e o tratado de Madrid, por extensão — deu ao Brasil sentido de unidade.
1 — Vianna, Helio. História do Brasil. São Paulo, 1965, vol. I, p. 42.
2 — Ascensão de Fernando VI ao trono da Espanha (1746), que era genro de D. João V.
3 — FERREIRA, Mário Clemente. O Mapa das Cortes e o Tratado de Madrid: a cartografia a serviço da diplomacia. 2007.