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Por JIAN WANG *
O surto do novo coronavírus será lembrado como uma das piores crises globais da história moderna. À medida que essa crise sanitária continua a envolver o mundo em que vivemos, parece gerar continuamente mais estresse. Os aspectos básicos da calamidade agora são bastante familiares. No entanto, a cooperação internacional para neutralizar e derrotar a pandemia de Covid-19 tem se mostrado ilusória, na melhor das hipóteses. Cada nação defende a si mesma na batalha, mesmo que nossos destinos estejam definitivamente entrelaçados. Enquanto o mundo assiste o desenrolar dos fatos, a reputação e a credibilidade de cada nação, por meio de suas palavras e ações, também são postas à prova.
Essa realidade perturbadora força uma pergunta sobre o futuro dos assuntos globais: embora a manutenção de um mundo estável exija uma abordagem multilateral cada vez mais cheia de matizes, será que um amplo espectro do público sucumbirá ao canto de sereia do nacionalismo ressurgente? Essas tensões, é claro, não são novas, mas a pandemia irá agravá-las. E, como resultado, a diplomacia pública está se tornando um componente mais significativo das relações e influência internacionais de cada nação, servindo como um elo crítico e coletivo entre a política e o povo, nacional e internacionalmente. O “soft power” que a diplomacia pública ajuda a gerar é agora uma moeda indispensável nos assuntos globais, por isso a reflexão sobre maneiras eficazes de exercer essa forma de diplomacia assume uma nova urgência.
Como essa crise será um catalisador para remodelar a resolução e a capacidade da diplomacia pública de uma nação?
Tendências transformadoras
Embora a pandemia não altere a dinâmica fundamental que está perturbando nosso pensamento e prática em relação à diplomacia pública, haverá uma aceleração nas mudanças assim que a turbulência da crise acalmar. Como a prática da diplomacia pública é essencialmente um conjunto de atividades centradas na comunicação, vemos várias tendências transformadoras abrangentes e entrelaçadas em cada aspecto chave.
Em primeiro lugar, o contexto geopolítico e geoeconômico mais amplo para a comunicação no cenário global está mudando rapidamente. A ascensão da China e de outras economias emergentes está gerando mudanças tectônicas de poder nas questões de abrangência global. Ao mesmo tempo, há uma discórdia crescente, especialmente nos países do Ocidente, sobre a natureza e a extensão do compromisso e envolvimento global de cada nação. Ao mesmo tempo, o crescimento econômico global na próxima década será impulsionado por mercados regionalizados. A pandemia de Covid-19 não mudou essa trajetória, fazendo com que as incertezas se multipliquem à medida que a ordem política e econômica global continua a mudar e a primazia dos Estados Unidos seja cada vez mais contestada.
Da mesma forma, o público-alvo da diplomacia pública também está mudando. Grande parte da mudança é evidenciada nas marés demográficas, desde o envelhecimento da população nas economias desenvolvidas até o “aumento da juventude” nos países em desenvolvimento. No geral, o público está se tornando mais urbano. Ademais, a mistura da população em muitas nações ocidentais está passando por um remapeamento étnico devido aos padrões de migração. Sem esquecer que estamos testemunhando o maior número de pessoas na história da humanidade ingressando na classe média global. Com frequência cada vez maior elas recorrem às plataformas digitais para obter notícias e informações, além de buscar interação social. A vida digital é facilitada pelo acesso mais amplo à formas de comunicação que atravessam as fronteiras nacionais.
Ato contínuo, enfrentamos um público polarizado e dividido pela ideologia em nosso país e no exterior. Parece que as nações passam por crises de identidade diante de um cotidiano cada vez mais diversificado culturalmente. Nesse sentido, vemos a repetição de situações bem conhecidas do passado. O crescente fervor populista em muitas partes do mundo é a mais recente manifestação das tensões entre duas forças de interesse e identidade na decisão social e na ação humana.
É certo que a tecnologia digital está transformando as ferramentas e as plataformas da diplomacia pública. A digitalização da sociedade e análises avançadas estão mudando a maneira como as pessoas buscam informações e permanecem conectadas. A aceleração da tecnologia digital dissolveu as fronteiras entre o doméstico e o estrangeiro, tornando a interação das preocupações nacionais e o envolvimento internacional cada vez mais dinâmica e interdependente.
Outro aspecto importante da ruptura é que as comunidades de partes interessadas no cenário global se ampliaram. Atores não-estatais e instituições diversas, como cidades, empresas multinacionais e organizações da sociedade civil, estão cada vez mais engajados no enfrentamento dos desafios locais e globais. As comunidades de interesse para a diplomacia pública não apenas se expandiram; também foram altamente capacitados pela tecnologia digital.
Décadas atrás, em seu livro “Moral Man and Immoral Society”, de 1932, o teólogo e crítico social Reinhold Niebuhr fez esta observação: “Uma civilização tecnológica criou uma comunidade internacional tão interdependente que requer harmonia social, mesmo que não seja poderosa ou astuta o suficiente para alcançá-la. Embora haja esforços tímidos para criar uma mente e uma consciência internacional, capaz de lidar com essa situação social, o homem moderno progrediu apenas um pouco além de seus pais ao estender suas atitudes éticas para além do grupo ao qual pertence e que possui símbolos vívidos o suficiente para despertar sua simpatia social. ”
Enquanto vemos nossas próprias fragilidades se escancararem em face de uma pandemia, esta crise mundial também revelou a fraqueza de nossa imaginação para transcender a política da negatividade e expandir a cooperação social. Essas novas condições e dinâmicas apontam para a realidade básica da crescente fluidez diplomática e um cenário de rápidas mudanças na comunicação da diplomacia pública.
Se eu fosse apresentar algumas sugestões para repensarmos a diplomacia pública, pediria que tenhamos um “perspectiva de rede”. Hoje em dia, indivíduos e organizações podem facilmente desenvolver redes de interação por meio da tecnologia digital, atingindo potencialmente um público global.
É verdade que a construção de relacionamentos sempre foi a pedra angular da diplomacia pública. A diferença é que, quando os relacionamentos são vistos como entidades isoladas, enfatizamos um par de atores e seus relacionamentos por vez. Em contraste, uma “perspectiva de rede” representa uma abordagem mais holística, considerando vários pares de relacionamentos simultaneamente e observando como os relacionamentos influenciam a mudança e a evolução de outros relacionamentos.
A segunda sugestão seria “integre o digital e o físico”. À medida que a vida digital interage cada vez mais com o reino físico, devemos não apenas construir uma voz digital distinta e uma identidade digital nos programas de diplomacia pública, mas também manter o toque humano por meio do contato direto interpessoal. A pandemia de Covid-19 deixa claro para nós que, apesar da facilidade de comunicação por meio de ferramentas digitais, algo fundamental está faltando quando somos retirados de nosso ambiente físico.
Outra ideia é “invista em qualificação em diplomacia pública”. A capacitação é essencial para o avanço da diplomacia pública, especialmente nas principais áreas funcionais, como análise de público, narrativa visual e social, gestão de comunidade integrativa e análises e impacto. A diplomacia pública contemporânea exige abordagens de comunicação em uma variedade de plataformas com conteúdo, estilo e posicionamento atraentes.
Nesta era de abundância e mobilidade de informações, atributos de comunicação, como transparência, autenticidade, exclusividade e conveniência, ganham maior destaque. A capacidade cultivada em compreender problemas de diplomacia pública em termos de computação e por meio da ciência de dados não apenas permite o planejamento de estratégias, mas também facilita a implementação com agilidade e versatilidade.
Por fim, acredito que a diplomacia pública fornece ligações coletivas entre o interesse próprio nacional e o bem comum internacional. Refletir sobre o interesse próprio de uma nação, abrirá caminhos para construir coalizões e demonstrar liderança para avançar nas políticas. Ele refreia tendências extremas e promove empatia e moderação ao lidar com outras nações e sociedades. Atualmente, as mudanças sociais profundas e influentes estão remodelando a diplomacia pública. Eles nos obrigam a repensar os pressupostos fundamentais das práticas atuais, gerando abertura para novas possibilidades.
* Jian Wang é diretor do Centro de Diplomacia Pública da Escola Annenberg de Comunicação e Jornalismo, da University of Southern California. Este artigo foi publicado originalmente no site da Associação American a de Serviço Estrangeiro. .