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*Podemos ter certeza de que a COVID-19 será derrotado, mais cedo ou mais tarde. A angústia e o medo excessivos que sentimos atualmente irão diminuir gradualmente, enquanto nossa ciência encontrará antídotos eficazes para que as pessoas possam olhar para os anos de pandemia como um sonho horrível.
Ao mesmo tempo, também está claro que um mundo pós-pandêmico será muito diferente do mundo que conhecíamos antes. O argumento de que o mundo precisa de uma grande sacudida para passar para o próximo estágio de seu desenvolvimento tem sido bastante popular desde o fim da Guerra Fria. Alguns profetizaram que isso viria como resultado de uma profunda crise econômica, enquanto outros argumentaram que seria por uma guerra em grande escala. Como sempre acontece, porém, o que virou o mundo de ponta-cabeça veio do nada.
Em espaço de poucos meses, a pandemia de COVID-19 lançou uma luz sobre todas as muitas contradições e contratempos de nossa época. Ele passou a delinear a trajetória para a prosperidade econômica, avanços científicos e avanços tecnológicos no futuro, gerando novas oportunidades de autorrealização e conquistas. A pergunta pertinente hoje é: quem poderá explorar melhor a nova realidade e aproveitar as oportunidades que se abrem? E como?
A COVID-19 também deixou sua marca na arquitetura atual das relações internacionais. Na virada do século, elas estavam mergulhadas em uma crise. O fim da Guerra Fria no final do século 20 efetivamente assinalou o início da transição da ordem mundial bipolar estabelecida na esteira da Segunda Guerra Mundial para um modelo que ainda não havia sido criado.
Uma dura batalha se desenrolaria sobre como a nova ordem mundial deveria ser, sendo uma questão ainda não resolvida nos dias de hoje. Vimos uma série de Estados, bem como atores não-estatais, dispostos a tirar proveito dessa incerteza nos assuntos globais e redistribuir as esferas de influência no mundo, Em certo sentido, tal cenário não deveria causar surpresa, pois as contradições entre as profundas mudanças que abrangem o domínio público e o rígido modelo de relações internacionais estabelecido em meados do século 20 pelas potências vitoriosas na Segunda Guerra Mundial continuaram crescendo nas últimas décadas.
A pandemia de COVID-19 provou ser um teste de força severo e sem precedentes que revelou os limites da arquitetura atual das relações internacionais. Crises anteriores – sejam turbulências financeiras, luta contra o terrorismo, conflitos regionais ou qualquer outra coisa – foram, na verdade, temporárias e bastante limitadas em suas implicações, por mais graves que fossem. A pandemia afetou todos os países do mundo, independentemente de seus regimes políticos e convenções sociais, prosperidade econômica e poderio militar. Expôs a fragilidade do mundo moderno, bem como os crescentes riscos e desafios; que, se ignorados, podem mergulhar o mundo em uma espiral descendente de autodestruição.
A crise sanitária continua, o que significa que ainda não chegamos a uma conclusão final sobre suas consequências para o sistema de relações internacionais. Dito isso, uma série de conclusões provisórias já estão tomando forma.
Ponto 1 – A globalização, apesar de seus efeitos colaterais óbvios, já mudou nosso mundo, tornando-o irreversivelmente interdependente. As ‘ondas’ de COVID-19 causaram estragos em todos os países. Nenhuma nação foi capaz de escapar deste destino. O mesmo acontecerá com outros desafios, a menos que reconheçamos essa realidade óbvia para começarmos a pensar sobre como as nações devem agir em meio às novas circunstâncias.
Ponto 2 – O sistema internacional resistiu ao ataque inicial, apesar dos incessantes fomentadores de medo terem profetizando seu colapso iminente. Após um breve período de confusão e desamparo, as Nações Unidas, a Organização Mundial da Saúde, o Banco Mundial, o G20 e outras organizações globais e regionais se uniram (embora algumas melhor do que outras), tomando medidas urgentes para conter a pandemia. Na mesma linha, a luta contra a pandemia demonstrou que muitas estruturas internacionais estão cada vez mais em descompasso com a realidade moderna, mostrando-se incapazes de se mobilizar com rapidez suficiente para fazer a diferença em nosso mundo que vive em constante mudança.
Ponto 3 – À medida que o papel das instituições internacionais nos assuntos globais enfraquece, as tendências centrífugas ganham impulso, com alguns países – em sua maioria, líderes globais – começando a colocar seus interesses nacionais em primeiro lugar. O mundo efetivamente voltou às “regras” da era da Guerra Fria, quando países com sistemas sociopolíticos diferentes estavam desesperados para provar sua superioridade, com pouca consideração pelos interesses comuns como segurança e desenvolvimento.
Ponto 4 – Alguns líderes políticos foram rápidos em usar os desafios da pandemia como pretexto para fortalecer o papel do Estado às custas dos princípios democráticos fundamentais e das obrigações internacionais vinculantes. Isso podia ser justificado ou mesmo necessário em algum momento das fases mais agudas de uma crise severa, quando todos os recursos disponíveis precisam ser mobilizados para repelir a ameaça.
Ponto 5 . Como sempre acontece em tempos de crises profundas, a comunidade internacional busca orientação nas grandes potências e suas lideranças. A iniciativa do presidente Putin de realizar uma reunião dos chefes de estado dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU pode ser um bom ponto de partida para promover o entendimento e buscar novas maneiras de avançar.
* Publicado originalmente pelo Conselho de Assuntos Internacionais da Rússia (RIAC).
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