Ele é professor, poeta e escritor. Nasceu no Marrocos, casou-se com uma brasileira e tem dois filhos. Dirigiu os centros islâmicos de Brasília e de Foz do Iguaçu. Há sete anos, dirige o centro islâmico do Paraná. Vive há mais de 30 anos no Brasil. É doutor e professor de estudos religiosos sobre o Islam e conselheiro sênior da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras). O Chaikh Mohsin Ben Moussa Alhassani conta ao Diplomacia Business como nasceu o Radaman, o calendário islâmico, os pilares do Islam, entre outros assuntos.
“O Radaman é a adoção de um regime de purificação espiritual e corporal. Algo que pode ser quase impossível para as senhoras, mas algo para o qual estamos educados e acostumados a jejuar desde a infância, a partir de sete anos”, explica o Chaikh. Segundo ele, o Islam é a religião que mais cresce no mundo. Veja a entrevista completa.
Diplomacia Business – Como e onde nasceu o Ramadan?
Chaikh Mohsin Ben Moussa Alhassani – o Radaman é o nome do nono mês do calendário islâmico que os muçulmanos seguem, que data da migração do profeta Mohamed, que nasceu no ano 570 D.C, em Meca, onde viveu durante 63 anos. Então no ano de 693 D.C, migrou para Medina, onde passou os restantes três anos de sua vida, e lá foi enterrado.
Depois que o profeta Mohamed migrou para a Medina, os muçulmanos começaram a adotar esse calendário, chamado de calendário lunar islâmico. É o nosso calendário no Islam e que segue o nascimento da lua. Não é como o calendário gregoriano cristão que segue o nascimento do sol. Temos 12 meses no nosso calendário, mas a diferença está nos dias, nossos meses lunares são ou de 29 ou de 30 dias, e não são de 30 ou 31, como no calendário gregoriano solar cristão. Por isso há uma diferença de 13 anos entre o calendário lunar islâmico e o gregoriano solar.
Estamos no ano de 1424 do calendário lunar, enquanto no calendário solar estamos no ano de 2022. Então o Ramadan é o nome do nono mês islâmico, como setembro para vocês. Quando chega este mês, os muçulmanos são chamados a jejuar o dia todo, e a rezar e apresentar várias ações que detalharemos.
Depois do profeta migrar para a Medina, no segundo ano, Deus revelou, para seu profeta, na sua inspiração divina, o alcorão sagrado, a obrigação de que o muçulmano deve fazer o Ramadan e a partir dali ser a terceira obrigação no Islam. A religião islâmica é baseada em cinco pilares: monoteísmo, a declaração da fé em Deus Allah, como único e senhor do Universo. Segundo pilar: fazer as orações diárias. Terceiro pilar: jejuar durante o mês do Ramadã. Quarto pilar: pagar o tributo, a caridade obrigatória. E quinto pilar: fazer a peregrinação para a Meca pelo menos uma vez na vida.
Este ano, o Ramadan começa que dia e hora? Vai até quando? Quantas horas por dia se deve jejuar?
Chaikh Mohsin Ben Moussa Alhassani – Pode ser no início do mês de maio, mas no calendário gregoriano é agora este ano é em abril. Hoje estou de jejum facultativo, que não é obrigatório, para a chegada do mês do Ramadan. Nosso jejum começa desde a alvorada até o pôr do sol. Hoje eu tomei minha refeição de apoio às 4h30 da madrugada e meu jejum começou às 5h e vai até 18h39. Essa jornada do jejum, começo e fim, é por 29 dias ou 30 dias do mês lunar, depende do nascimento da lua. Quando falamos de jejum, falamos de abstenção total, completa. Não podemos tomar nem que seja uma gota d’água, nem comer um grão de arroz, nem entrar em relação íntima com nossas próprias esposas, legítimas e autorizadas, durante esse dia, e nem fumar, nem mentir…
É a adoção de um regime de purificação espiritual e corporal. Algo que pode ser quase impossível para as senhoras, mas algo para o qual estamos educados e acostumados a jejuar desde a infância, a partir de sete anos. Quando fazemos sete anos de idade, nossos pais começam a incentivar esse ato. Dia sim, dia não; dois dias sim, um dia não de jejum para treinar para jejuar o mês inteiro com 10, 11 anos de idade. E desde já estamos jejuando, toda a família.
O jejum não prejudica as atividades laborais, especialmente os trabalhos mais pesados? Como ficar trabalhando sem tomar água?
Chaikh Mohsin Ben Moussa Alhassani – Em alguns lugares, faz 50 graus dentro de casa. Quem não pode fazer todo o jejum, pode repor o jejum durante o ano. No caso de uma fadiga, de uma gravidez. O Ramadan é uma obrigação e não tem nada a ver com o tipo de trabalho. Nos países do Golfo árabe faz 50 graus de calor, sem trabalhar, dentro de casa, com climatização e tudo… é aquele calor fervente. Então, aquele que trabalha, aquele que não trabalha, a mulher e o homem, grande ou pequeno. Quem pode jejuar, vai jejuar, sim.
Quem tem alguma condição corporal ou mental que o impeça de jejuar, então essa pessoa não jejua, mas terá de repor os dias que não jejuou durante o Ramadan, depois do Ramadan. Por exemplo, a mulher, com ciclo menstrual normal, não pode jejuar, porque não está totalmente purificada, está de fatiga, passando por aquela tarefa mensal duríssima. Ou está grávida ou amamentando, ou um homem ou mulher idosos, com alguma doença, enfermo com alguma coisa… Nesses casos é permitido não jejuar, desde que reponham essa tarefa durante o ano, podendo não ser contínuo, mas até preencher o mês por inteiro.
Apenas os muçulmanos seguem o Ramadan?
Chaikh Mohsin Ben Moussa Alhassani – O nosso jejum é aberto para todo mundo fazer, inclusive, um médico cristão ligou pra mim há três dias e falou se ele poderia fazer o jejum conosco durante o mês do Ramadan, por conta dos benefícios do jejum para o corpo, para a alma. Eu falei que poderia fazer, mas que não era uma obrigação dele, um treinamento, uma assistência para que fique com boa saúde.
Para nós é o terceiro pilar da religião. O muçulmano que não faz é um pecador, que vai ficar devendo isso no dia do julgamento. Para fazer o Ramadã islamicamente precisa ter a primeira base, que é a base da declaração da fé, do monoteísmo para que, mais tarde, se conte como um dever a ser preenchido. Apenas um treinamento para ele, um regime sanitário, uma assistência para que fique com boa saúde.
Aproximadamente, quantos muçulmanos e seus descendentes vivem hoje no Brasil? E o que não devem fazer durante o Ramadan?
Chaikh Sheik Mohsin Ben Moussa Alhassani – Somos quase 2 milhões de muçulmanos praticantes no Brasil, onde existem entre 6 a 7 milhões de árabes. A religião que mais cresce atualmente no mundo é a islâmica. Somos 1 bilhão e 480 milhões de praticantes, quase 1,5 bilhão, em 66 países islâmicos, dos quais 23 são árabes. Quando falo de árabe, há árabe cristão, há árabe judeu. Árabe é o nome da raça, mas islâmico ou muçulmano é o nome da religião, então por isso há países árabes que não são muçulmanos, e há países muçulmanos, como Indonésia, Malásia, que são muçulmanos, mas que não são árabes.
O calendário islâmico então é da época de Maomé?
Chaikh Mohsin Ben Moussa Alhassani – Maomé é uma tradução erradíssima do nome. É Mohammad. Esse nome quer dizer o profeta louvador a Deus. Mohammad quer dizer que louva a Deus constantemente. O profeta quando vivia em Meca sob o regime de confronto com sua tribo coraixitas, até que Deus o permitiu migrar para a Medina que está, mais ou menos, a 500 km longe da Meca. Todas essas cidades se localizam na Arábia Saudita. Nessa época não tínhamos calendário próprio, seguíamos o calendário romano da época.
Estamos falando do sexto século romano. Mas, depois de Mohammad migrar para a Medina e fundar o Estado Islâmico, e ter uma autonomia própria, começou a história islâmica. História que começou a ser contada a partir do dia em que o profeta migrou. Por isso eu não digo que atualmente a idade do Islam é 1424 anos. O Islam nasceu 53 anos antes, quando o profeta nasceu na Meca, viveu lá e migrou para a Medina. Eles adotaram esse regime do calendário lunar, que segue a lua. O dia começa após aparecer a lua, por isso o ano passou a ter 12 meses com uma diferença de 13 dias por ano entre o calendário solar e o calendário lunar.
Quais são as principais datas do calendário islâmico?
Chaikh Mohsin Ben Moussa Alhassani – São inúmeras datas. No início do ano tem a data da migração do profeta, que se chama Mohammad. No oitavo mês, tem o Sha’ban. No Ramadan, há o Shawwal, no início do nono mês. A noite mais sagrada para nós durante o ano, a noite de 27 do Ramadan, a noite do valor, noite do destino, onde foi revelado o Alcorão de Deus para o profeta Mohammad, última palavra divina do céu para a terra.
Temos o dia do Eid Al-Fitr, a festa de desjejum, quando termina o mês do Ramadan, quando os muçulmanos festejam o primeiro dia do décimo mês, ocasião de desjejuar, de terminar essa tarefa. Nós temos o dia da festa da peregrinação, no 10º do 12º mês do calendário, que se chama Dhul-Hijjah, os muçulmanos também festejam. Então nós temos vários dias, várias ocasiões e eventos a festejar. Inclusive, às sextas-feiras, das 12h às 14h, nós passamos nas mesquitas para fazer uma oração congregacional e ouvir o sermão semanal. Então já temos festa semanal, mensal e anual.
Como aprender mais sobre a cultura islâmica?
Chaikh Mohsin Ben Moussa Alhassani – Pode-se aprender sobre o islamismo nas escolas das mesquitas de Brasília, São Paulo, Rio, Manaus, Curitiba…ou pelos livros distribuídos gratuitamente pela Fambras (Federação da Associações Muçulmanas do Brasil). São três livros gratuitamente por mês. O alcorão é traduzido em mais de 200 línguas. Há cursos online que podem ser feitos. Mas há uma diferença entre islamismo e cultura islâmica.
O melhor é aprender presencialmente dentro das escolas islâmicas, nas mesquitas espalhadas pelo Brasil inteiro. Pedagogicamente, é com os livros, com as matérias, e ouvir de maneira bem explicada e detalhada dos Sheiks, ou Imames (Imam), guias religiosos da localidade e da comunidade muçulmana. Temos a Fambras (Federação das Sociedades Muçulmanas do Brasil), que eu represento nessa entrevista, que abrange mais de 60 sociedades. As pessoas podem se inscrever no site da Fambras para receber de graça, mensalmente, três livros de diferentes temas. Hoje, nosso livro sagrado, o Alcorão, está traduzido em mais de 200 línguas diferentes no mundo inteiro. É possível adquirir o Alcorão de graça, no idioma desejado. Temos também cursos online, porém existe uma diferença entre religião islâmica e cultura árabe. Dentro da cultura, há uma gama de cursos de comida, vestuário, cantos, etc.
Quantas mesquitas existem no Brasil?
Chaikh Mohsin Ben Moussa Alhassani – São 149 mesquitas e oratórios (não tão bem elaborados quanto as mesquitas). Temos mesquitas próprias dos brasileiros destinadas à população islâmica, dirigidos por entidades, associações e centros islâmicos. Das maiores a serem visitadas, temos a mesquita de Foz do Iguaçu, no Paraná, na tríplice-fronteira, entre Brasil, Paraguai e Argentina, que recebe centenas de turistas e visitantes, além dos praticantes.
Fale-nos um pouco mais do senhor…
Chaik Mohsin Ben Moussa Alhassani – Sou professor doutor, venho de origem marroquina. Pai e mãe marroquinos, e vivo no Brasil há mais de 30 anos. Dirigi o Centro Islâmico de Brasília por mais de cinco anos, o centro islâmico de Foz do Iguaçu por quase quatro anos, e a sociedade islâmica de Paranaguá, no litoral. Faz sete anos que estou aqui em Curitiba dirigindo o centro islâmico da cidade, o Centro Islâmico do Paraná. Passei a ser o presidente da Liga dos Teólogos dos Muçulmanos na América do Sul, e conselheiro sênior da Fambras. Casei e tive meus dois filhos aqui no Brasil. Estamos formando uma célula de uma família brasileira, com todo orgulho, satisfação e gratidão a esse país hospitaleiro, povo pacífico e admirável.
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