O novo Cônsul-Geral da Finlândia em São Paulo, Kari Puurunen, tem ligações pessoais com o Brasil. Ele já havia trabalhado por mais de três anos como jornalista na capital paulista, cobrindo o Brasil e a América do Sul. Sua esposa e filhas são brasileiras.
Na carreira diplomática, Puurunen acumula passagens como representante do país nas Nações Unidas. Tendo trabalhado nas missões da Finlândia em Moçambique e Portugal, possui uma boa compreensão da história e da cultura dos países lusófonos.
Em entrevista ao Diplomacia Business, o cônsul finlandês reforça que “é especialmente gratificante poder servir como diplomata no Brasil e avançar as relações entre os países”. Uma vez que o Brasil já é o maior parceiro comercial da Finlândia na América Latina, o desejo do cônsul e fortalecer os laços e contribuir na troca de experiências para o desenvolvimento,
Confira na íntegra:
Diplomacia Business: O senhor assumiu recentemente o posto de Cônsul-Geral em São Paulo. Quais as expectativas para o trabalho diplomático no país?
Kari Puurunen: O nosso objetivo nos próximos anos é fortalecer e desenvolver ainda mais as excelentes relações bilaterais entre os países. Gostaríamos muito de receber visitas da nossa liderança política no Brasil e vice-versa e continuar o nosso diálogo político. Também queremos cooperar com o Brasil na diplomacia multilateral em temas globais de grande importância, como as questões ambientais, segurança, desenvolvimento e direitos humanos.
Outro objetivo importante é desenvolver as nossas relações comerciais e econômicas. O Brasil é o maior parceiro comercial da Finlândia na América Latina. O valor das nossas exportações para o Brasil dobrou desde 2018, e está anualmente a mais de um bilhão de dólares. Temos mais de 60 empresas finlandesas com operações no Brasil que empregam mais de 15 000 brasileiros. Mais de 400 empresas finlandesas exportam para o mercado brasileiro através de um representante local. Apesar disso, gostaríamos de ter um número muito maior de empresas finlandesas no Brasil.
A Finlândia é um país tecnologicamente avançado que pode oferecer muitas soluções que apoiam o desenvolvimento do Brasil. Temos empresas mundialmente competitivas em tecnologias como 5G, redes de comunicação, energia, mineração, equipamento para indústria florestal e nova bioeconomia, segurança cibernética, tecnologias de saúde e defesa. São todas áreas de grande potencial comercial no mercado brasileiro.
Gostaria de ressaltar que todas essas tecnologias não apresentam uma concorrência para as empresas brasileiras. As empresas finlandesas fornecem soluções para as empresas brasileiras ficarem ainda mais competitivas. Por exemplo, as multinacionais brasileiras Suzano e Beontag tem investido recentemente na Finlândia em empresas de altíssima tecnologia que as multinacionais brasileiras usam para alavancar seu crescimento no mercado global.
Confio que nos próximos anos as nossas exportações para o Brasil vão aumentar e vamos poder fortalecer os nossos laços comerciais e econômicos.
Qual sua avaliação das relações bilaterais Brasil-Finlândia?
O Brasil é um parceiro de grande importância para a Finlândia. O país é uma potência regional na América Latina, tem um grande peso nas questões globais e multilaterais e é a décima economia do mundo. Além disso, é um país democrático, um estado de direito e uma economia de mercado que possui os mesmos valores de democracia e direitos humanos com a Finlândia. Ambos os países apoiam o sistema multilateral baseada em regras. Temos uma ótima relação bilateral que esperamos poder desenvolver ainda mais.
O senhor já passou por Lisboa e Maputo. Então a cultura lusófona lhe é familiar. O que acredita que o Brasil pode aprender com a Finlândia, o país mais feliz do mundo?
De fato, morei em vários países lusófonos. Antes de entrar na carreira de diplomata na Finlândia, trabalhei mais de três anos como jornalista em São Paulo cobrindo o Brasil e a América do Sul. Como diplomata, ocupei postos nas nossas embaixadas em Lisboa e Maputo. A vivência em Portugal e Moçambique me ajudou a entender melhor a história e as raízes do Brasil e a comunidade lusófona. Minha esposa é brasileira e a nossa filha nasceu no Brasil e é cidadã brasileira. Gosto de pensar que tenho ao nível pessoal uma relação muito especial com o Brasil. Por isso, para mim é especialmente gratificante poder servir como diplomata no Brasil e avançar as nossas relações,
Já faz cinco anos seguidos que a Finlândia é escolhida como o país mais feliz do mundo, apesar dos invernos frios e o clima rigoroso. Acho que há várias razões que explicam isso. Temos um sistema democrático muito desenvolvido, uma grande igualdade do gênero, um estado previdenciário e serviços sócias de alta qualidade. O nosso sistema de ensino público é considerado como um dos melhores do mundo, o que facilita uma grande mobilidade social. Nos rankings internacionais a Finlândia sai como um dos países menos corruptos do mundo. Tudo isso cria um ambiente de grande confiança entre as pessoas e em relação ao poder público. Por exemplo, de acordo com as pesquisas, mais de 80 por cento dos finlandeses confiam na polícia. Na verdade, o índice de felicidade reflete muito o bom funcionamento da sociedade.
Apesar disso, a Finlândia não é nenhuma utopia e enfrentamos vários desafios importantes como o envelhecimento da população e a falta de mão de obra.
O seu histórico tem vasta experiência com o desenvolvimentismo. Quais os programas que a Finlândia está desenvolvendo em parceria com o Brasil nesse sentido?
Enfrentamos grandes desafios na área de desenvolvimento. Temos que transitar rapidamente para um desenvolvimento sustentável para poder evitar uma mudança climática ainda mais catastrófica e a extinção da biodiversidade. Os efeitos da mudança climática tem consequências muito graves para os países menos desenvolvidos e frágeis na África e na Ásia, como vimos com as dramáticas inundações no Paquistão. O nosso desafio comum é de lutar contra a mudança climática e mitigar juntos os seus efeitos negativos para os países menos desenvolvidos. Nisso, o Brasil é um dos parceiros mais importantes para a União Europeia e a Finlândia.
A política de desenvolvimento é uma das grandes prioridades da Finlândia e uma parte integral da nossa política externa. A maior parte do orçamento do Ministério das Relações Exteriores da Finlândia destina-se para cooperação de desenvolvimento. As áreas prioritárias da nossa política de desenvolvimento são avançar os direitos das mulheres e meninas, educação, economia sustentável e trabalho digno, sociedades democráticas e pacificas e a mudança climática e recursos naturais.
Cooperamos a longo prazo principalmente com vários países da África, entre eles Moçambique, país com quem o Brasil também tem uma forte cooperação. Canalizamos a maior parte da nossa cooperação através das instituições multilaterais como a ONU e o Banco Mundial, beneficiando também o desenvolvimento do Brasil.
A Finlândia formalizou seu pedido de entrada na OTAN. Quais os efeitos disso na geopolítica mundial?
É importante ressaltar que a Finlândia sempre teve um forte investimento na própria defesa nacional. Ao contrário de muitos países europeus, temos o serviço militar obrigatório para todos os homens e voluntario para as mulheres. O serviço militar varia de seis meses a um ano e é seguido de treinamentos de reciclagem para os reservistas. Temos atualmente uma reserva militar de mais de 260.000 soldados treinados que podemos mobilizar e armar em caso de crise. A Finlândia usa anualmente dois por cento do PIB para a defesa e as nossas forças armadas estão dotadas de equipamentos modernos. Por exemplo, no ano passado a Finlândia usou mais de 10 bilhões de dólares para comprar dos Estados Unidos caças F-35 para a sua força aérea.
Depois do fim da Guerra Fria, desenvolvemos uma estreita parceria de cooperação com a OTAN. Desde os anos noventa, as nossas forças armadas tem treinado regularmente com a OTAN e estão totalmente compatíveis com os padrões e requisitos da aliança. Durante mais de três décadas a política de segurança dos pais se baseou no não alinhamento militar, uma forte defesa nacional e uma estreita parceria com a OTAN. A pesar disso, a Finlândia sempre reservou na sua política de segurança a opção de aderir à OTAN.
A situação mudou com o ataque brutal e totalmente injustificado da Rússia contra a Ucrânia no fevereiro passado. Antes do ataque, somente 28% da população estava a favor de entrar na OTAN. Depois do ataque isso subiu para 80%. Diante da mudança dramática no cenário de segurança na Europa e o forte apoio popular, a liderança política da Finlândia optou, junto com a Suécia, pela adesão a OTAN. O maior efeito geopolítico disso é o fortalecimento de segurança no norte da Europa. Após a adesão da Finlândia e a Suécia, todos os países nórdicos (Finlândia, Suécia, Noruega, Dinamarca, Islândia) serão membros da aliança e integrados nas estruturas de comando e defesa da OTAN. Isso criará um bloco de defesa muito poderoso no norte da Europa e o Mar Báltico, que também aumentará a segurança dos países bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia).