Em 14 de abril de 1961, Raymundo Souza Dantas foi nomeado embaixador pelo então presidente Jânio Quadros. Foi um dia histórico para a diplomacia brasileira. O jornalista e escritor sergipano foi o primeiro negro a ocupar um posto de embaixador do Brasil, sendo designado para a embaixada em Gana, a primeira do país a ser aberta na África.
O historiador Fábio Koifman, professor de História e Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) é autor da biografia “Raymundo Souza Dantas: O Primeiro Embaixador Brasileiro Negro”, lançado este ano.
Koifman, que conheceu Raymundo em 1997, conta que ele, “sofreu racismo de políticos, jornalistas e diplomatas brasileiros. Não foram todos. Existiram políticos, jornalistas e diplomatas que compreenderam a importância de se modificar algo que era percebido como intransponível e como exemplo de racismo na sociedade brasileira”.
Para o autor, essa era uma história que precisava ser contada. Além de não ser diplomata de carreira, Raymundo era negro, de origem pobre e analfabeto até os 18 anos. Nascido na pequena Estância, a 66 quilômetros de Aracaju, Sergipe, em 11 de fevereiro de 1923, era filho de um pintor de paredes e de uma lavadeira, Ele faleceu em 2002.
O livro destaca que Raymundo aprendeu a ler e a escrever por conta própria e anda criança precisou abandonar os estudos para trabalhar como entregador em uma loja. Também foi aprendiz de ferreiro, marceneiro e tipógrafo. Aos 18 anos, mudou-se para o Rio. Na antiga capital federal, trabalhou como contínuo na revista carioca Diretrizes. Tornou-se jornalista, passando por publicações, como A Noite, Diário Carioca e O Cruzeiro.
Raymundo Souza Dantas publicou sete livros, começando com o romance Sete Palmos de Terra (1944) até o biográfico África Difícil (1965). Conforme a historiadora Mariana Schlickmann, a obra “chama a atenção por sua dor e sofrimento. Foi doloroso ter que representar a ‘democracia racial’ do Brasil sofrendo ao mesmo tempo com o racismo de seus pares. O Itamaraty, muitas vezes, agia como se a embaixada e o embaixador não existissem”, pontua.
Benedicto Fonseca Filho
Somente 50 anos depois da nomeação de Raymundo, um negro chegou a ministro de primeira classe, cargo mais alto da diplomacia. Foi Benedicto Fonseca Filho, que também escreveu seu nome na história do Ministério das Relações Exteriores, sendo o primeiro embaixador de carreira do Brasil da raça negra. Ele conta que tinha nove anos quando, em 1972, seu pai, agente de portaria do Itamaraty, foi transferido para Praga, capital da antiga Tchecoslováquia, por três anos. A experiência mudou sua vida. “O desejo de ser diplomata surgiu, efetivamente, na infância”, lembra ele, que é o atual cônsul-geral em Boston. “As possibilidades de, ainda pequeno, conhecer outras culturas, morar no exterior e estudar em escolas estrangeiras foram decisivas”.
Formado em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), ingressou no Itamaraty em 1985, aos 22 anos. Na lista dos aprovados, ficou em segundo lugar. Posteriormente, serviu na Argentina e em Israel, realizou missões em Gana e em Cabo Verde e integrou a Missão do Brasil junto às Nações Unidas, em Nova Iorque. Ele relata que na primeira vez em que foi à ONU em 2004, um colega do Caribe confidenciou que era a primeira vez que via um diplomata negro na delegação brasileira. “Em todos os países em que já estive, a trabalho ou a passeio, identifiquei pessoas que alimentavam preconceito, de raça ou de outra natureza, e outras, não. O mesmo ocorre em relação a ambientes de estudo e de trabalho, no Brasil e em todo o mundo”, assegura Fonseca Filho.

Ação Afirmativa na Diplomacia
A composição do quadro racial do Itamaraty começou a mudar rapidamente somente a partir de 2002, quando foi criado o Programa de Ação Afirmativa. O benefício oferece bolsas de estudo a candidatos negros. Um ano antes, o então presidente Fernando Henrique Cardoso, afirmou: “Precisamos ter um conjunto de diplomatas – temos poucos – que sejam o reflexo da nossa sociedade, que é multicolorida, e não tem cabimento que ela seja representada pelo mundo afora como se fosse uma sociedade branca, porque não é”.
Desde 2011 o Instituto Rio Branco, responsável pela seleção e treinamento dos diplomatas brasileiros, adotou o sistema de cotas na primeira fase do concurso. Pela lei, 20% das vagas oferecidas em concursos públicos são reservadas para pessoas negras. O Ministério das Relações Exteriores informa que das 789 pessoas que ingressaram no Itamaraty entre 2002 e 2014, 20 foram negros contemplados pelas bolsas (2,5% do total). Já entre 2014 e 2020, passaram a compor o corpo diplomático 127 pessoas, das quais 27 por meio das cotas raciais (elevando a proporção para 21,3%).
Atualmente o Itamaraty conta com 1.537 diplomatas, mas não sabe precisar o número de negros na carreira diplomática, “visto não ser solicitado aos servidores que declarem etnia quando de seu ingresso no órgão”. Segundo pesquisadores, apenas 5% dos diplomatas brasileiros são negros, o que está longe de refletir a realidade social. O IBGE aponta que 54% da população do país não se identifica como branca.
* Com informações de Folha de São Paulo e Clipping.
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