Por The Economist*
Foi uma escolha surpreendente para as férias de verão. Em 18 de agosto, sheik Tahnoon bin Zayed, conselheiro de segurança nacional dos Emirados Árabes Unidos (EAU), apareceu em Ancara para se encontrar com Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia. Os países estão em desacordo há anos sobre o apoio de Erdogan aos grupos islâmicos em todo o Oriente Médio. As autoridades turcas acusaram os Emirados Árabes Unidos de estarem envolvidos no golpe de Estado fracassado de 2016. Mas nada disso foi mencionado no comunicado oficial após a reunião, que falava em vez de cooperação econômica.
Uma semana depois, o sheik Tahnoon conheceu o emir catariano, tornando-se o oficial mais graduado dos Emirados a visitar o Catar desde que os Emirados Árabes Unidos e três outros estados árabes impuseram um embargo ao país, em 2017. Novamente, houve uma linguagem otimista nas notas oficiais sobre cooperação. O sheik é uma das figuras mais influentes dos Emirados Árabes Unidos, irmão de Muhammad bin Zayed, o governante de fato. Suas visitas foram um sinal de uma mudança na política externa dos EUA, que não é o único país a mudar de rumo.
Existem duas linhas divisórias principais no Oriente Médio de hoje. Uma coloca os Estados do Golfo e Israel contra o Irã e seus aliados. A outra é entre países como Turquia e Qatar, que simpatizam com os radicais islâmicos, e Egito e Emirados Árabes Unidos, que não se relacionam com eles. Essas divisões alimentaram conflitos no Levante (Síria e Iraque), Líbia e Iêmen, e disputas menos sangrentas em outros lugares.
Nos últimos cinco meses, porém, inimigos de longa data embarcaram em uma nova onda de diplomacia. Arábia Saudita e Irã retomaram o diálogo em abril. A Turquia tentou restaurar os laços com o Egito, que ficaram estremecidos depois que o exército egípcio derrubou um governo liderado por islâmicos em 2013 (Erdogan foi um crítico ferrenho do golpe). Catar e Egito, que se desentenderam pelo mesmo motivo, voltaram a se falar. O Egito até permitiu que a Al Jazeera, rede de televisão via satélite do Catar com uma postura muitas vezes pró-Irmandade Mucúlmana, reabrisse seu escritório no Cairo, que foi fechado após o golpe.
O ponto mais alto dessa reaproximação foi uma cúpula em Bagdá, em 28 de agosto, que reuniu autoridades do Egito, Irã, Catar, Arábia Saudita, Turquia e outras lideranças mundiais. Embora tenha terminado sem acordos concretos, só o ato de falar foi um avanço em si mesmo: muitos participantes teriam relutado em comparecer a tal reunião não muito tempo atrás. Os otimistas esperam que essas reuniões possam sinalizar um degelo e um possível fim para as disputas trágicas da região. O Oriente Médio é um lugar cruel para otimistas – mas, neste caso, suas esperanças podem não estar totalmente perdidas.
A rixa saudita-iraniana, que remodelou a região depois de 1979, transformou-se em um “conflito congelado” nos últimos quatro anos. Em parte, isso se deve ao sucesso do Irã e ao fracasso da Arábia Saudita em exercer maior influência no exterior. O príncipe saudita, Muhammad bin Salman, cometeu uma série de equívocos de política externa durante seus primeiros dias no poder e, desde então, mudou o foco para transformar a economia ligada ao petróleo.
Depois de investir em uma política externa agressiva, os Emirados Árabes Unidos também começaram a buscar distensão. Autoridades na capital Abu Dhabi dizem que isso foi um efeito colateral do covid-19. “Isso nos fez entender (…) que tínhamos que voltar para casa e abrir mão de certos tipos de compromissos no Oriente Médio mais amplo”, disse um diplomata dos Emirados.
Por mais introspectivo que possa parecer, essa é uma justificativa ex post facto: os Emirados Árabes Unidos começaram a retirar tropas do Iêmen em 2019, meses antes da pandemia. A guerra havia se tornado um atoleiro, enquanto o apoio dos Emirados a um senhor da guerra anti-islâmico na Líbia terminou em derrota (em grande parte graças à intervenção turca). Uma política externa ativista rendeu poucos ganhos; melhor se concentrar em uma economia que, embora mais diversificada do que as de seus vizinhos, ainda não está preparada para uma transição energética que se aproxima do petróleo. Antes do 50º aniversário do país em dezembro, as autoridades estão dedicadas a anunciar uma série de iniciativas econômicas.
A Turquia chegou a conclusões semelhantes. Sua economia foi prejudicada por uma inflação de 19%, investimento estrangeiro fraco e uma longa crise cambial. Rixas regionais, para não mencionar disputas com os Estados Unidos, a União Europeia e a Grécia, não estão ajudando. “A economia precisa de uma desaceleração”, diz Galip Dalay, da Chatham House, um centro de estudos em Londres. Também precisa de dinheiro. Sim, o investidores dos Emirados poderiam fornecer. Além disso, a desvalorização da lira turca significa que os estrangeiros podem abocanhar ativos turcos por uma pechincha.
A Turquia também espera lucrar com a normalização com o Egito. Apesar do distanciamento, o comércio entre os países atingiu quase US$ 5 bilhões no ano passado. Autoridades turcas dizem que o potencial é muito maior. Mas reconstruir as pontes com o Egito também renderia dividendos políticos. O Egito, junto com a União Europeia, os Estados Unidos e Israel, aliou-se à Grécia e ao Chipre em uma disputa com a Turquia sobre os direitos de perfuração no leste do Mediterrâneo. O governo de Erdogan acredita que um acordo com o Egito pode ajudá-lo a sair de seu isolamento, por isso está tentando negociá-lo.
Tudo isso seria uma reviravolta e tanto. O presidente do Egito, Abdel-Fattah al-Sisi, desmantelou a Irmandade Muçulmana. Mesmos nos países que tem liberdade para competir na política, sua popularidade está diminuindo. Para a Turquia e o Catar, os custos do confronto contínuo com o Egito e os Emirados Árabes Unidos são grandes, mas os benefícios são poucos.
As disputas com o Irã são mais difíceis de resolver. O regime de Teerã não negociará sua influência duramente conquistada no mundo árabe. Em vez disso, os Estados do Golfo podem buscar apenas proteger seu próprio quintal. Um conflito mais amplo seria ruinoso. As autoridades temem, por exemplo, que uma salva de mísseis bem posicionada, apontada para usinas de dessalinização, possa tornar o Golfo inabitável em poucos dias.
Portanto, à sua maneira, cada um entra nessas conversas marcando posição em meio a alguma fraqueza. Os países do Golfo são ricos, mas frágeis, enquanto o Irã e a Turquia são musculosos, mas convivem com crises econômicas sérias. A cúpula de Bagdá terminou com uma declaração conjunta prometendo “não fazer interferências nos assuntos internos dos países”, algo estranho em um meio onde os participantes são conhecidos pela sua interferência. O tempo mostrará como isso se desenrolará.
* Publicado originalmente no site da revista The Eonomist