A diplomacia internacional tradicionalmente depende de poder de barganha, canais restritos de comunicação e bom relacionamento entre os líderes. Mas uma nova era está chegando, na qual os insights desapaixonados de algoritmos de Inteligência Artificial (IA) e técnicas matemáticas, como a teoria dos jogos, desempenharão um papel crescente nos acordos entre as nações, defende Michael Ambühl, cofundador do primeiro Centro Mundial Para a Ciência na Diplomacia.
O professor Ambühl leciona Negociação e Gestão de Conflitos, tendo trablhado como negociador-chefe da Suíça junto à União Europeia. Ele acredita que os avanços recentes em IA e aprendizado de máquina significam que esse tipo de tecnologia agora tem um papel significativo a desempenhar na diplomacia internacional, incluindo a cúpula da COP26 que começa dia 31, e em acordos pós-Brexit sobre comércio e imigração.
“Essas tecnologias já estão sendo parcialmente utilizadas e a intenção é fazer um uso ainda maior”, disse Ambühl. “Tudo em torno da ciência de dados, inteligência artificial, aprendizado de máquina … queremos ver como isso pode ser benéfico para a diplomacia bilateral ou multilateral.”
O uso de IA nas negociações internacionais está em um estágio inicial, ressakta, citando o uso de aprendizado de máquina para avaliar a integridade dos dados e detectar notícias falsas para garantir que o processo diplomático tenha bases confiáveis. No futuro, essas tecnologias poderiam ser usadas para identificar padrões nos dados econômicos que sustentam os acordos de livre comércio e ajudar a afinar alguns aspectos das negociações.
O Laboratório de Ciência na Diplomacy, uma colaboração entre o Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (ETH) de Zurique, onde Ambühl trabalha, e a Universidade de Genebra, também se concentra na “engenharia de negociação”, onde técnicas matemáticas existentes, como a teoria dos jogos, são usadas para ajudar a enquadrar uma discussão ou encenar diferentes cenários antes de iniciar as negociações.
Na verdade, essas ferramentas não são novas. A teoria dos jogos foi desenvolvida na década de 1920 pelo matemático húngaro-americano John Von Neumann, inicialmente para formalizar o conceito de “blefe” no pôquer. Mais tarde, usada para avaliar cenários de ataque nuclear durante a guerra fria. No entanto, até recentemente, tais técnicas caíam em desuso, “não por falta de tecnologia, mas por falta de conhecimento”, de acordo com Ambühl. “E os diplomatas não estão acostumados com isso”, assevera
Mas, à medida que o mundo se torna mais acostumado com a tecnologia de dados, quem ignora os métodos quantitativos corre o risco de ser pego desprevinido. Ambühl disse que, como principal negociador da Suíça na União Europeia, ele fez uma simulação de teoria dos jogos antes das negociações que levaram seu país a aderir ao espaço Shengen e a uma série de acordos com o bloco europeu sobre impostos, comércio e segurança. A análise indicou que era do interesse da Suíça que as negociações ocorressem “em bloco”, e não sequencialmente, e por isso o governo suíço insistiu nisso como base para as negociações.
A União Europeia fez a sua própria análise? “Acho que não”, disse Ambühl. “Não dissemos a eles que fazíamos teoria dos jogos.”
Adotar uma abordagem matemática também pode ajudar a “neutralizar as emoções” nos conflitos, de acordo com Ambühl. Ele cita conversas entre o Irã e o chamado grupo P5 + 1 – cinco membros do Conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha – em Genebra em 2005. Na ocasião, como facilitador, ele apresentou uma fórmula matemática para a taxa de redução do número de centrífugas nucleares do Irã. “Quando apresentamos a ideia, dissemos:‘ Agora vamos falar sobre o tamanho desse gradiente, alfa, que está entre 0 e 1 ’”, disse ele. “Você discute isso em um nível mais técnico.”
As questões políticas profundamente enraizadas podem ser vistas como um gradiente em uma curva? Ambühl disse que não se trata disso, mas cristalizar o que está sendo negociado para não oferecer uma solução totalmente fechada. “Não se trata de fazer um acordo técnico”, disse. “É uma questão política, mas você a decompõe. Ou seja, divide em problemas, subproblemas e sub-subproblemas. ”
Uma abordagem mais científica não significa abandonar os métodos tradicionais. “Não estou afirmando que você só pode negociar bem se fizer isso”, aponta. “Ainda depende muito de outros fatores, como qual o poder de barganha você tem, se tem um negociador habilidoso, ou um Primeiro-Ministro que apóia negociações difíceis, ou ainda quanto você se preparou para aquilo”.
Há riscos de que qualquer uma dessas novas abordagens possa causar resultados inesperados, com Inteligências Artificiais rivais aumentando os conflitos ou chegando a soluções diplomáticas que são matematicamente ideais, mas têm consequências desastrosas no mundo real? “Você não vai para a guerra apenas porque um algoritmo cego decide isso – nem é preciso dizer que isso seria idiota”, disse Ambühl. “Estamos falando de algo que sempre será apenas uma ferramenta de decisão.”
“Não se pode confiar cegamente nisso, mas também não se pode depender totalmente no instinto desses políticos”, acrescentou. “Você precisa combinar de maneira inteligente as novas tecnologias e a análise política.”
* Este texto foi publicado originalmente em The Guardian.
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