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O Haiti conquistou sua independência da França no dia 1° de janeiro de 1804. Foi a primeira república da América Latina a conseguir autonomia política. Com extensão territorial de 27.750 quilômetros quadrados, o Haiti tem cerca de 10,1 milhões de habitantes, grande parte ainda vivendo em áreas rurais. A maior concentração populacional – cerca de 2 milhões de habitantes – está em Porto Príncipe.
Quem fala sobre o Haiti é a embaixadora desse país no Brasil, Rachel Coupad: “a comemoração do Dia da Independência terá um caráter especial, uma vez que acontecerá num ambiente de crise socioeconômica aguda, marcada por um clima de insegurança preocupante, embora o governo tenha se empenhado em conter essa crise com a ajuda intensa de países amigos”.
Em entrevista exclusiva ao Diplomacia Business, Rachel Coupad destaca que no Ano Novo, que coincide com o Dia da Independência do Haiti, todos os haitianos, sem distinção, consomem com orgulho um prato tradicional: “a sopa da independência, a Joumou, antes feitas pelos antigos escravos no país, mas que por ser saborosa e rica, não podia ser consumida por eles”. Na entrevista, a embaixadora fala sobre os programas sociais do governo, o turismo, as relações com o Brasil e o terremoto no país em 2010.
Diplomacia Business – O Haiti comemora seu dia nacional em 1º de janeiro. Quais são os principais avanços do país até hoje? Como serão as comemorações?
Embaixadora do Haiti no Brasil, Rachel Coupaud – No dia 1º de janeiro de 2022 o Haiti comemorará seu 218º aniversário de Independência. Nosso país, a primeira república negra independente do mundo, conquistou sua liberdade à custa de enormes sacrifícios, numa época dominada pela exploração colonial escravocrata.
Essa independência, além de seu simbolismo para todo o mundo, contribuiu de forma significativa para a história das civilizações. De fato, assim que o Haiti conquistou sua independência, em que pese as dificuldades que enfrentou, o país estendeu a mão aos povos irmãos que estavam sob dominação colonial, especialmente na América do Sul, para ajudá-los a conquistar sua liberdade.
O Haiti ainda está lutando para conquistar seu lugar no concerto das nações. E no contexto nacional, o país está enfrentando problemas econômicos, sociais e políticos que ameaçam sua estrutura como nação. Assim, a comemoração do Dia da Independência terá um caráter especial, uma vez que acontecerá num ambiente de crise socioeconômica aguda, marcada por um clima de insegurança preocupante, embora o governo tenha se empenhado em conter essa crise com a ajuda intensa de países amigos.
O Governo está em negociação com todos os setores da vida nacional a fim de reunir os meios necessários para resolver a crise atual. É possível perceber que a sociedade, em geral, está muito ciente da relevância desse tipo de abordagem. A República do Haiti também nunca deixou de mostrar e promover seu potencial cultural. Um exemplo é a sopa Joumou, declarada patrimônio cultural imaterial da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), no dia 16 de dezembro de 2021.
A sopa Joumou, comumente chamada de “Sopa da Independência”, é um componente importante da identidade haitiana: a famosa sopa era preparada por escravos, que não podiam saboreá-la porque eram considerados primitivos demais para uma refeição tão deliciosa. Assim, no Dia da Independência, o primeiro imperador do Haiti, Jean-Jacques Dessalines, declarou que o prato passaria a ser a Sopa Nacional dos primeiros negros livres na história da humanidade.
Muito mais do que um simples prato, a sopa Joumou conta a história dos heróis e das heroínas da independência haitiana, sua luta pelos direitos humanos e sua liberdade. No Ano Novo, que coincide com o Dia da Independência do Haiti, todos os haitianos, sem distinção, consomem o prato com orgulho.
A força cultural do Haiti também se manifesta pela influência de sua literatura, música, pintura, escultura e cinema, entre outras manifestações culturais. Aliás, acompanhamos com muita satisfação a repercussão positiva do filme “Freda”, de nossa compatriota Jessica Géneus, junto a cinéfilos de muitos países. Depois do sucesso do filme no Festival de Cinema de Cannes, realizado na França, o longa foi selecionado para o Oscar de 2022.
Vários monumentos que datam do início do século XIX, como a cidadela de Laferrière e as ruínas do palácio de Sans-souci, não sofreram nenhum dano após o terremoto que atingiu o Haiti em 2010. Como isso foi possível?
Embaixadora Rachel Coupaud – O terremoto de 2010 causou grandes danos ao país, com consequências econômicas consideráveis. O departamento de Ouest, em especial Porto Príncipe, foi o mais afetado, devido à “falha de Léogane”, que atravessa a área metropolitana de Porto Príncipe. Felizmente, a Cidadela de Laferrière e as ruínas do Palácio Sans-Souci, localizadas no extremo norte do país, não foram atingidas.
Qual é a principal fonte de renda da população no Haiti?
Embaixadora Rachel Coupaud – A contribuição da diáspora haitiana nas Américas do Norte e do Sul e na Europa constitui a principal fonte de riqueza econômica do país. Nesse sentido, de acordo com as estatísticas do Banco Mundial, citadas pelo portal de notícias haitiano Le Nouvelliste (10 de janeiro de 2020): “Entre 2010 e 2019, a diáspora haitiana transferiu para o Haiti o montante de 19,75 bilhões de dólares americanos.
É importante lembrar também que, durante muito tempo, a agricultura foi a principal fonte econômica do país, seguida pela indústria têxtil. Dada essa participação significativa da diáspora na economia nacional, os atores nacionais estão fazendo cada vez mais esforços para facilitar sua integração em todas as áreas da vida nacional.
O turismo no Haiti está concentrado em que regiões?
Embaixadora Rachel Coupaud – O Haiti tem um grande potencial turístico!
De fato, não existem apenas algumas regiões turísticas espalhadas pelo país, e nós temos um rico patrimônio histórico (portanto turístico) que remonta à época dos índios Taino.
Nesse sentido, o Haiti não se contenta apenas com as praias da costa de Arcadins, a estação balneária de Labadie no Norte ou as belas praias no Sul, uma vez que seu conjunto turístico inclui também magníficas grutas, cascatas, fortificações erguidas pelos nossos antepassados e lagoas que existem há vários séculos. É preciso também lembrar o potencial turístico natural das nossas ilhas nacionais, como as ilhas Tortue, Vache e La Gonave.
Em resumo, ainda que o turismo se concentre principalmente nas regiões do Norte (fortificações, sítios históricos, praias), do Sul (cachoeiras, praias, cavernas) e do Centro (cavernas, cachoeiras, em especial a Saut d’Eau, a bacia de Zim e a caverna de Trou Zim em Hinche), o Haiti possui uma grande riqueza turística.
Que programas e iniciativas são desenvolvidos pelo Haiti na área de inclusão social?
Embaixadora Rachel Coupaud – Na área de inclusão social (MAST, CAS, FAES). No dia 9 de agosto de 2021, o primeiro ministro, Ariel Henry, teve uma importante reunião com o sr. Michel Patrick Boisvert, ministro da Economia e Finanças, para tratar da “necessidade urgente de reduzir os gastos do Estado, estimular o serviço público e elaborar um orçamento que cumpra a missão do governo provisório de dotar o país de uma equipe política legitimamente eleita por meio de eleições livres, honestas, transparentes e imparciais”.
O primeiro-ministro destacou dois pontos importantes: a implementação de um programa de saneamento para a região metropolitana; e a geração de empregos, como uma ação eficaz contra a insegurança alimentar.
Vale ressaltar que a implementação desses programas foi prevista para começar antes das festas de fim de ano de 2021.
Menos de 24 horas após sua posse, o novo ministro dos Assuntos Sociais e do Trabalho, sr. Pierre Ricot Odney, visitou a Agência Nacional de Seguro de Idosos (ONA). Na ocasião, ele reiterou estar determinado a se empenhar para resolver alguns problemas sociais cruciais que o país está enfrentando. Ele afirmou que defende “uma sinergia entre todas as instituições de proteção e promoção social”.
Além disso, destacou os três pilares da proteção social: Assistência Social (pilar não contributivo), como, por exemplo, o Fundo de Assistência Econômica e Social (FAES); Seguridade Social (pilar contributivo), como, por exemplo, a ONA e OFATMA (Agência de Seguro de Acidentes de Trabalho, Doenças e Maternidade); e regulação do mercado de trabalho.
O ministro declarou também que determinou que o FAES retome seus programas sociais, como os restaurantes comunitários, que estão começando a reabrir, e o Fundo de Assistência Social (Caisse d’Assistance Sociale-CAS).
Por fim, o Fundo de Assistência Econômica e Social organizou em 28 de janeiro de 2021, um workshop para apresentar o Plano Estratégico 2021- 2026. Na ocasião, foram reforçados “os cinco pilares de extrema importância para o cumprimento da missão do Fundo de Assistência Econômica e Social”, que são: redução da pobreza; recuperação econômica; fortalecimento da governança local; gestão do conhecimento e aprendizado; e fortalecimento institucional
Que tipo de incentivos são oferecidos pelo Haiti aos pequenos empreendedores?
Embaixadora Rachel Coupaud – No Ministério do Comércio e Indústria (MCI) temos o Programa do Fundo de Desenvolvimento Industrial (FDI) de Apoio às Microempresas (PSME). Qualquer empresa haitiana, já constituída ou em processo de criação, é elegível a financiamento no âmbito deste programa, se investir, no mínimo, 10% do seu capital próprio em projetos de inovação e 5% em projetos de expansão e/ou modernização. O projeto de investimento deve atender a todos os critérios mínimos de rentabilidade financeira; e nenhum membro de sua equipe de gestão pode constar da lista de pessoas inadimplentes do FDI ou de qualquer outra empresa de crédito.
Temos também o Programa de Apoio a Jovens Empreendedores (PAPEJ), fruto de uma política pública de inclusão econômica e autoempregabilidade destinada a uma categoria especial da população: os jovens empresários. Já o Ministério da Juventude, Esporte e Ação Cívica (MJSAC) incentiva o desenvolvimento do empreendedorismo por meio do programa “Jenibiznis”, da Secretaria da Juventude do Ministério.
Como estão as relações comerciais entre Brasil e Haiti?
Embaixadora Rachel Coupaud – O Haiti importa do Brasil materiais de construção (cerâmica, madeira, portas) e produtos de consumo (laticínios). Alguns produtos do Haiti têm potencial de exportação ao Brasil, assim que o país retomar sua estabilidade econômica e política. De qualquer forma, é preciso fomentar as trocas comerciais entre os dois países, que têm muito a aprender um com o outro.