“Espero que com a mudança do marco do saneamento, venhamos a abordar o lixo e a poluição como uma oportunidade ao invés de um problema”, explica o presidente da Câmara de Comércio Brasil-Finlândia (Finncham), o empresário Sérgio Chamone. A seu ver, é preciso transformar o lixo em múltiplos subprodutos reutilizáveis e energia, gerando emprego e renda, além de cidades limpas.
Em entrevista ao Diplomacia Business, Chamone comenta que a reciclagem é feita com todo tipo de lixo. Segundo ele, o conceito de W2E (waste to energy – lixo transformado em energia) é amplamente difundido e muitas soluções tecnológicas do tipo “turn-key”, ou seja, soluções completas, com projeto e maquinário, estão disponíveis para as prefeituras brasileiras.
“A Finlândia é um país líder em sustentabilidade, neutralidade em carbono, energia renovável e biocombustíveis”, destaca o presidente da Finncham Brasil. Sérgio Chamone lembra que as águas finlandesas são puras: “rios e lagos são limpos, pode-se nadar e pescar em qualquer um dos 647 rios e 187.888 lagos, beber água da torneira em qualquer cidade finlandesa, um verdadeiro exemplo para todo o mundo”. Veja a entrevista completa:
Diplomacia Business – A Finncham fomenta o comércio bilateral entre empresas brasileiras e finlandesas. Como e onde a entidade tem atuado?
Presidente da Câmara de Comércio Brasil-Finlândia (Finncham Brasil). Sérgio Chamone – A Finncham faz parte de uma estrutura denominada “Team Finland”. De fato, o conceito de Team Finland é muito interessante! No nível local de um país como o Brasil podemos defini-lo da seguinte forma: “Equipe de trabalho formada por autoridades finlandesas, organizações com financiamento público e outros atores centrais que representam a Finlândia na região”. Assim sendo, no Brasil, o “Team Finland” é composto pela embaixada com seus consulados, o Business Finland (Agência Governamental para financiamento de inovação e promoção de comércio e investimentos) e a Finncham.
Todos os anos o Team Finland desenvolve um planejamento com: áreas prioritárias, objetivos e ações específicas. A Finncham participa deste planejamento, e – por meio de seus comitês temáticos, que fazem parte da “Liderança Finncham” – de sua co-execução. Atualmente, a Finncham conta com seis comitês temáticos: Defesa, Digitalização, Educação, ESG, Legal e Saúde. Os comitês e a direção da Finncham realizam diversas atividades de modo a alcançar os objetivos delineados, por meio de workshops, webinars, conferências, visitas a empresas, governos, comunicação com a imprensa, interação com mídias sociais, entre outros.
A Finncham Brasil foi fundada em 2012. Que balanço o sr. faz desses 10 anos de atividades da Câmara?
Sérgio Chamone – O balanço é altamente positivo. Formamos uma comunidade coesa, que gosta de interagir. Não excluímos nenhuma empresa de nossas atividades, mesmo que não sejam associadas, pois sabemos que todas têm o seu próprio momento para associar-se e certamente o farão em um futuro próximo.
Contamos com o importantíssimo apoio do embaixador da Finlândia, que é nosso “âncora”, em um dos nossos eventos, o “Café com o embaixador”, que ocorre a cada dois meses com a nossa comunidade empresarial. Mesmo com a Covid-19, mantivemos unidos, otimizamos o uso das ferramentas de reuniões virtuais e realizamos múltiplos eventos e reuniões, que outrora não contariam com a quantidade e dispersão geográfica de participantes!
Alguns destes eventos virtuais até rivalizam com os presenciais, como é o caso do “Matchmaking”, que reúne grupos em salas virtuais simultâneas, temáticas e aleatórias. Isto permitiu contatos entre colaboradores de empresas, que dificilmente se encontrariam presencialmente, viabilizando sinergias de negócio entre nossos membros! Cabe destacar que na Finncham, nossa liderança, realmente lidera e é muito motivada. Somos membros ativos do Team Finland e das Eurocamaras. Valorizamos os princípios e valores não só da Finlândia, mas da União Europeia.
Em quais áreas há maior interesse em ampliar os investimentos dos finlandeses no Brasil?
Sérgio Chamone – As principais áreas de interesse no Brasil são: telecomunicações com o 5G, Bio Economia, Educação, Saúde e Energia. O 5G, por exemplo, não se restringe apenas a voz e dados nas operadoras, mas inclui inéditas aplicações em: indústria 4.0, saúde, agricultura, mineração, redes de missão crítica, tanto privada como em governo, permeando boa parte da economia do Brasil. Todas estas oportunidades são viabilizadas pela baixíssima latência, velocidade e domínio tecnológico finlandês do 5G. Cabe destacar que a Finlândia e suas empresas são parceiros confiáveis!
A Câmara tem preocupações com sustentabilidade e meio ambiente. De que forma, a Finncham discute esses temas?
Sérgio Chamone – Sem dúvida temos muita preocupação com a sustentabilidade e o meio ambiente. A Finlândia é um país líder em sustentabilidade, neutralidade em carbono, energia renovável e biocombustíveis. Além disso, as águas finlandesas são puras: rios e lagos são limpos. Pode-se nadar e pescar em qualquer um dos 647 rios e 187.888 lagos, beber água da torneira em qualquer cidade finlandesa, um verdadeiro exemplo para todo o mundo. A reciclagem é feita com todo tipo de lixo.
O conceito de W2E (waste to energy – lixo transformado em energia) é amplamente difundido e muitas soluções tecnológicas do tipo “turn-key”, ou seja, soluções completas, com projeto e maquinário, estão disponíveis para as prefeituras brasileiras. Espero que com a mudança do marco do saneamento, venhamos a abordar o lixo e a poluição como uma oportunidade ao invés de um problema. Temos que transformar o lixo em múltiplos subprodutos reutilizáveis e energia, gerando emprego e renda além de cidades limpas.
A Finncham também instituiu o Comitê de ESG (Meio Ambiente, Social e Governança Corporativa) visando canalizar os esforços de sustentabilidade, troca de práticas de sucesso nas empresas e comercialização de soluções para o meio ambiente. A Finlândia conta com 75% de sua superfície coberta por florestas. O conceito de “Manejo Florestal” é usado lá desde o século XIX. A floresta contribuiu com a riqueza da Finlândia bem como para o desenvolvimento de várias indústrias e tecnologias altamente competitivas. A celulose é um bom exemplo de criação de riqueza. Graças a investimentos finlandeses no Brasil, nos últimos 50 anos, o Brasil tornou-se uma potência mundial da celulose.
A exploração da floresta na Finlândia é feita de forma sustentável com “Manejo Florestal” de 100 anos, ou seja, uma propriedade é dividida em 100 partes e a cada ano, uma é explorada e replantada, apenas 100 anos depois a primeira é re-explorada e assim por diante. No Brasil isso começou a ser feito há algumas décadas, mas só nos últimos anos está ganhando força.
No Brasil, como as florestas não são homogêneas e crescem mais rápido, o manejo é de 30 anos e a cada hectare se pode “colher” 30m3 de madeira nobre, obviamente, existem muitos outros detalhes que não cabe discutir aqui. Contudo, isto é uma das grandes soluções para a manter a Floresta Amazônica em pé, pois permite explorá-la de forma sustentável gerando renda e emprego para as populações locais, ao invés da “privatização para o crime organizado”, que não respeita qualquer regra, rouba, bota fogo e depois tenta legalizar o pasto.
De fato, a Finncham também contribuiu com a discussão da questão amazônica, assim como nos esforços para a ratificação do acordo Mercosul-UE. Isto se deu com uma ideia que propusemos em 2020 às Eurocamaras quando se discutia o Acordo Mercosul-EU, suas oportunidades bem como dificuldades na sua ratificação, em grande parte devido à “questão amazônica”. Com efeito, propusemos a realização de uma conferência não ideológica, com foco pragmático, com a participação de grandes conhecedores do tema. A ideia se tornou realidade e a mesma foi realizada de 9-11/Nov/2021 em Belém sob o nome “Amazonia in Loco”.
Contamos com a presença do ministro de Comércio Exterior e Desenvolvimento da Finlândia, Ville Skinnari; do ministro da Internacionalização de Portugal, Eurico Brilhante; da ministra da Agricultura, Teresa Cristina, na abertura da Conferência, assim como, diversas autoridades, diplomatas, intelectuais e pesquisadores durante os 8 painéis que se seguiram. A conferência foi encerrada pelo vice-presidente Hamilton Mourão.
A “Carta de Belém”, documento oficial do evento, foi entregue por Alejandro Gómez, representando a Câmara Oficial Espanhola e Sérgio Chamone, representando a Frincham ao vice-presidente Hamilton Mourão em seu gabinete no Palácio do Planalto. Na mesma ocasião, a entregamos para o embaixador da União Europeia, Ignacio Ybáñez, na presença do vice-presidente do Brasil e dos embaixadores da Finlândia, Jouko Leinonen, e da Espanha, Garcia Casas. Recentemente, sua tradução oficial foi concluída e a mesma está sendo encaminhada às principais autoridades da União Europeia, como Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia e Charles Michael, presidente do Conselho Europeu.
Também participamos do Fórum de Bio Economia, que pela primeira vez ocorreu fora da Finlândia (). Logo após o Fórum, com um grupo do Team Finland, liderado pelo embaixador Jouko Leinonen, visitamos o Grupo Jari e a fundação Jari que fazem um brilhante trabalho de preservação da floresta, capacitação de comunidades e crédito de carbono ao mesmo tempo que geram renda e emprego. Foram mais de 500 km percorridos em 4×4 e barcos através da floresta amazônica no Pará e Amapá visitando comunidades, cooperativas e manejos florestais.
Que tipo de incentivo o governo finlandês tem dado aos pequenos e médios empreendedores do país?
Sérgio Chamone – A Finlândia tem uma agência financiadora de projetos empresariais chamada Finnvera que financia projetos, sejam de pequenos, médios e grandes empreendedores. No Brasil, tipicamente os projetos financiados pela Finnvera nos últimos anos foram de grande envergadura, mas não há qualquer impedimento para investimentos em pequenas e médias empresas, desde que tenham projetos com grande potencial e inovação.
Além disso, o governo finlandês oferece programas de aceleração de negócios, coaching e assessoria para profissionalização e internacionalização, através do Business Finland e outras agências. A Finlândia é classificada como uma das economias mais inovadoras do mundo, com uma colaboração muito próxima entre as universidades e a indústria. A Finlândia também é um dos países com o maior número de patentes e startups per capita no mundo.
A Finlândia é considerada uma nação de inovação e de resolução de problemas. De fato, a educação finlandesa é voltada à resolução de problemas práticos, desde a mais tenra infância. Isto sem dúvida contribuiu para o desenvolvimento de um ecossistema empreendedor que funciona super bem, desenvolve competitivas startups e inovações em vários setores da indústria. Pequenas empresas finlandesas frequentemente entram no mercado brasileiro e conquistam importantes fatias de mercados em seus nichos!
O livro “Penedo 90 anos – histórias da colônia finlandesa”, em homenagem aos pioneiros de Penedo e seus descendentes, foi publicado em 2018. O sr. conhece a publicação? Onde podemos acessá-lo ou comprá-lo?
Sérgio Chamone – Claro! Conheço, li e recomendo o excelente livro “Penedo 90 anos – histórias da colônia finlandesa” de Sérgio Fagerlande, doutor em Urbanismo pela UFRJ. O autor é descendente dos pioneiros de Penedo, membro muito conhecido e querido da comunidade finlandesa no Brasil. Além do livro citado, é autor de diversos artigos, incluindo um inédito, intitulado “Pioneiros de Penedo: em busca do paraíso nos trópicos”, que será publicado como capítulo do livro “Finncham Brasil – 10 anos” a ser lançado no dia 9 de junho. no Auditório do Consulado da Finlândia em São Paulo, durante a festa dos 10 anos de fundação da Finncham. Sem dúvida terei prazer em lhes enviar um exemplar de ambos os livros!
O trabalho da Câmara tem sido afetado pela guerra da Rússia e Ucrânia? Como o sr. avalia as consequências dessa guerra?
Sérgio Chamone – A invasão injustificada da Rússia, embora terrível para os habitantes da Ucrânia, não tem trazido maiores impactos para as empresas finlandesas que atuam no Brasil e na Europa. Antes da invasão, o comércio da Finlândia com a Rússia representava apenas 5%, mas já foi da ordem de 20% no final da era soviética. A maioria das empresas finlandesas que operavam na Rússia decidiu – independente de sanções – deixar o país. A empresa de petróleo finlandês, chamada Neste, simplesmente parou de comprar petróleo da Rússia em favor de outros países fornecedores. Quanto ao gás, é fato que 100% do gás, ora importado, provém da Rússia, mas isto representa apenas 6% da matriz energética finlandesa e há reservas para mais de oito meses.
Perfil de Sérgio Chamone: cônsul geral honorário da Finlândia nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo do Brasil; presidente da Finncham Brasil e embaixador do Turismo do Estado do Rio de Janeiro. Foi presidente do Instituto Cultural Nórdico Brasil – Finlândia no triênio 2011/14; conselheiro da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro – FIRJAN (2006-2016) e da Associação Comercial do Rio de Janeiro – ACRJ (2012-2017). É empresário do setor de TI, presidente da Chamone Tecnologias Móveis, com grande experiência em networking e empreendedorismo. Mestre em Engenharia de Produção e graduado em Engenharia Elétrica, ambos pela PUC-RJ. Foi cofundador e CEO da Logical Systems de 2004 a 2015. A Logical foi pioneira no Brasil no desenvolvimento de tecnologias móveis para Celulares, Smartphones, Tablets para clientes corporativos.
Sérgio Chamone trabalhou de 1993 a 2001 na Xerox do Brasil, nas áreas de Qualidade, Auditoria Corporativa, Lançamento de Produtos e Marketing. Foi um dos relatores da participação vitoriosa da Xerox no Prêmio Nacional de Qualidade de 1993 e membro da equipe de reengenharia da Xerox México. Recebeu em 2021 a Comenda Amigo da SOAMAR RIO (Sociedade de Amigos da Marinha do Rio de Janeiro) por seu empenho na cooperação com a Marinha brasileira.