“O café do Brasil cada dia é mais sustentável e, como tal, o interesse pela parte dos importadores espanhóis é maior”, explica a conselheira de Agricultura, Pesca e Alimentação da embaixada da Espanha, Elisa Barahona. Segundo ela, a Espanha dá muita importância à sustentabilidade especialmente após a entrada em vigor da Estratégia da União Europeia “Do prado ao prato” para produzir de forma sustentável alimentos mais saudáveis. “Os consumidores espanhóis ficam bem comprometidos com este conceito e aceitam mesmo pagar um pouco mais se preciso”, comenta.
Na opinião da conselheira, não se pode falar de sustentabilidade sem que o trabalho e participação das mulheres não sejam levados em conta. “No caso do café, as mulheres no Brasil estão presentes em todas as etapas deste sistema agroindustrial. É um fato”, afirma. Para a conselheira Elisa Barahona, uma certificação como o Café Feminino (COOPFAM) “é muito importante, uma vez que permite a rastreabilidade que confirma que esse produto realmente gera renda para as mulheres. E sabemos que quando as mulheres possuem renda, elas investem quase tudo que recebem na educação, saúde e nutrição da família. E isso, sem dúvida, é valorizado pelo mercado espanhol”. Veja a entrevista completa:
Diplomacia Business – A Espanha é o sétimo principal destino dos cafés do Brasil. Este ano as importações espanholas do produto brasileiro foram de 408 mil sacas, com crescimento de 32% na comparação com as aquisições realizadas no mesmo período em 2021. Como a sra. vê esse crescimento do consumo do café brasileiro na Espanha?
Conselheira de Agricultura, Pesca e Alimentação da embaixada da Espanha, Elisa Barahona – O fato de que as importações na Espanha do café do Brasil tinham crescido provavelmente se deve a que o café do Brasil cada dia é mais sustentável e, como tal, o interesse pela parte dos importadores espanhóis é maior. A Espanha dá muita importância à sustentabilidade especialmente após a entrada em vigor da Estratégia da União Europeia “Do prado ao prato” para produzir de forma sustentável alimentos mais saudáveis. Os consumidores espanhóis ficam bem comprometidos com este conceito e aceitam mesmo pagar um pouco mais se preciso.
Sabemos que não podemos falar de sustentabilidade sem que o trabalho e participação das mulheres não sejam levados em conta. No caso do café, as mulheres no Brasil estão presentes em todas as etapas deste sistema agroindustrial. É um fato. Uma certificação como o Café Feminino (COOPFAM) é muito importante, uma vez que permite a rastreabilidade que confirma que esse produto realmente gera renda para as mulheres. E sabemos que quando as mulheres possuem renda, elas investem quase tudo que recebem na educação, saúde e nutrição da família. E isso, sem dúvida, é valorizado pelo mercado espanhol
Na opinião da sra. quais os principais desafios para se conseguir crescimento econômico com sustentabilidade?
Elisa Barahona – Na minha opinião, para trabalhar pelo crescimento econômico sustentável, é fundamental uma governança do Estado respeitosa com os valores ambientais e sociais como a proteção da biodiversidade, a luta contra as mudanças climáticas, a igualdade de oportunidades e a ajuda aos mais necessitados. Falando da agricultura, acho indispensável a tecnologia para conseguir aumentar a produtividade, graças à melhora genética das sementes, e sem precisar o uso de novas terras. Nesse sentido, o Brasil está tendo um alto desempenho com a tecnologia e com a otimização das terras para agropecuária mediante a integração lavoura-pecuária-florestal.
Como é hoje a agricultura familiar na Espanha? Quais incentivos o governo espanhol tem dado para os pequenos agricultores?
Elisa Barahona – A Agricultura na Espanha representa apenas 5% do PIB. Contamos com cerca de 945 mil produtores agropecuários dos quais um terço são mulheres. Além disso, a Espanha tem 35.400 empresas de transformação que proporcionam trabalho a um milhão de pessoas, além de prestar importantes serviços eco sistémicos. Em geral, na Espanha temos pequenos produtores que tradicionalmente associam-se em cooperativas agrícolas, por volta de 3.700 hoje em dia. Nesse sentido, aqui temos outro desafio: a integração dessas empresas para competir no nível internacional em um mercado global.
Dispomos de uma Política Agrícola Comum na União Europeia, uma legislação sobre seguros agrários consolidada e um sistema de governança que nos permite planificar a longo prazo. Isso quer dizer que estamos falando de uma agricultura moderna e competitiva, berço da dieta mediterrânea, líderes em tecnologia de irrigação e líderes em logística.
Os agricultores têm um papel central nas comunidades rurais, mas, na Espanha, desde os anos 70-80 do século passado, está se dando um processo de despovoamento rural devido às mudanças sociais e de mentalidade. As políticas espanholas para combater o despovoamento rural vêm muito diretamente ditadas pela nova Política Agrícola Comum-PAC (2021-2027) que tem entre seus objetivos o desenvolvimento, o apoio e o investimento nas comunidades rurais para tratar de inverter este processo, sobretudo através da tecnologia e das seguintes medidas:
- Ajudar as novas gerações de agricultores a se incorporar à profissão, bem mais formados, fomentando a transferência de conhecimentos e aprimorando o acesso à terra para os mais jovens.
- Promover o crescimento, a inclusão social e o desenvolvimento local, em particular trabalhando pela sustentabilidade
- Proporcionar apoio contínuo às comunidades rurais através da Iniciativa de Smart towns e o desenvolvimento local comunitário a partir do programa europeu LEADER.
Infelizmente, apenas 14% dos produtores rurais na Espanha têm menos de 40 anos, o que implica que a incorporação dos jovens ao meio rural é um autêntico desafio. Como é a digitalização e a consolidação sustentável da pecuária e a indústria da carne, que são também elementos fundamentais para a fixação da população rural no meio.
Como a sra. avalia o empreendedorismo hoje na Espanha?
Elisa Barahona – Eu acho que o empreendedorismo na Espanha se tornou um importante motor de crescimento e inovação para as empresas mais tradicionais. A Espanha oferece condições ótimas para isso porque envolve ter livre acesso a um mercado de 500 milhões de pessoas como é a União Europeia e a uma economia desenvolvida e com segurança jurídica. É muito interessante que, embora a idade média do empreendedor na Espanha agora esteja nos 38 anos, os empreendedores cada vez são mais jovens e com formação universitária. Madrid, a capital, lidera o ranking de empreendedorismo com 45% dos novos empresários, seguida de Barcelona (38%) e Valência (7%)
No âmbito da Agricultura, eu a valorizo muito positivamente porque acho que os apoios ao empreendedorismo são importantes demais para poder fixar população, como já falamos, nas áreas rurais, empolgar aos jovens e lutar contra o abandono do meio rural.
Quais os alimentos que o Brasil exporta para a Espanha e onde essa área pode crescer?
Elisa Barahona – Os produtos principais que o Brasil exporta para a Espanha são com grande diferença os grãos e especialmente a soja para a ração do gado. Recentemente e devido à invasão da Ucrânia por parte da Rússia, a Espanha, que habitualmente importava 40% do milho para alimentação do gado, teve que acudir aos mercados internacionais e um dos mais importantes é o Brasil. Isso unido a que cada vez tem mais produtores brasileiros estão comprometidos com as culturas de milho convencional para poder exportar à União Europeia. Eu acho que a exportação de grãos tem muitas possibilidades de acrescentar no futuro.
Como conselheira de Agricultura, Pesca e Alimentação da embaixada da Espanha, quais têm sido as prioridades da sra?
Elisa Barahona – A partir do assessoramento ao embaixador nas matérias da competência de meu Ministério, a prioridade mais importante para o meu Escritório é ajudar as empresas espanholas a cumprir com os requisitos sanitários e fitossanitários exigidos pela legislação brasileira para as mercadorias que são exportadas ao Brasil. Este trabalho evidentemente é desempenhado em estreita parceria com o Escritório comercial da Embaixada da Espanha e acho que esta colaboração é fundamental para ajudar as nossas empresas.
Além disso, eu fico muito orgulhosa da parceria estabelecida com o IICA, a ONU Mulheres e a FAO, que também conta com o apoio da Organização de Estados Ibero americanos (OEI) e de instituições brasileiras como o MAPA, o Sesc, a Fida, etc., para o lançamento em 2021 do Prêmio para as Mulheres Rurais, “Espanha Reconhece”. Prêmio que objetiva visibilizar as maravilhosas iniciativas desenvolvidas por inúmeras comunidades ou grupos de mulheres formais ou informais neste país. Mulheres que trabalham pela redução da pobreza, a segurança alimentar, a igualdade de oportunidades, a redução da violência de gênero e em geral em vários dos ODS da Agenda 2030. Na primeira edição, 482 iniciativas foram apresentadas e tivemos a honra de premiar um grupo de mulheres de Jequiá da Praia no Estado de Alagoas.
Perfil de Elisa Barahona – Doutora em Ciências pela Universidad Complutense de Madri. Foi diretora adjunta de Relações Internacionais da Pesca no Ministério de Agricultura da Espanha; diretora geral de Sustentabilidade e Planificação da Mobilidade na Área de Meio Ambiente da Prefeitura de Madrid; responsável pela Comunicação no Organismo Parques Nacionais. Atualmente é conselheira de Agricultura, Pesca e Alimentação na Embaixada da Espanha na República Federativa do Brasil, Colômbia, Peru e Venezuela.