Getting your Trinity Audio player ready...
|
Por Embaixador Dr. Ahmed Eltigani Swar
Encarregado de Negócios da Embaixada do Sudão – Brasil
O Sudão é um país com uma história que se estende por cerca de três mil anos, tendo testemunhado várias civilizações grandiosas, desde a civilização Cuxita, frequentemente mencionada no Antigo Testamento, até as civilizações cristãs em Meroé, Napata e Jebel Barkal, cercadas por diversas pirâmides que se iniciaram nas regiões inferiores do Vale do Nilo e depois se desenvolveram e se destacaram no Alto Nilo.
O Sudão é um dos primeiros países africanos ao sul do Saara a conquistar sua independência, em 1956. Herdou um sistema educacional notável, com destaque para o Colégio Gordon, fundado em 1902 em Cartum, além de um sistema administrativo e econômico eficiente, como o Projeto Gezira, para o qual foi introduzida a ferrovia em 1925.
Desde a independência, o Sudão tem atuado ativamente no apoio aos seus irmãos na luta contra o colonialismo, contribuindo para os movimentos de libertação africanos. Devido aos seus recursos econômicos e localização estratégica, o país sempre foi alvo de ambições externas.
O Sudão manteve relações excepcionais com os Emirados Árabes Unidos, sendo um dos primeiros países a reconhecer sua independência em 1971. A primeira visita oficial ao exterior feita pelo fundador, o saudoso Sheikh Zayed, foi ao Sudão. Da mesma forma, o primeiro chefe de Estado a visitar os Emirados após a sua independência foi o falecido presidente sudanês Jaafar Mohammed Nimeiry. O Sudão também forneceu diversos especialistas para contribuir na construção e no desenvolvimento do Estado, com quadros qualificados em diversos setores. Por exemplo, o professor Ali Shumo participou da criação do setor de comunicação e chegou a ocupar o cargo de subsecretário do Ministério da Informação. Vários engenheiros também contribuíram para o planejamento e gestão municipal, entre eles o engenheiro Kamal Hamza, que foi presidente da Prefeitura de Dubai, e o Sr. Al-Sunni Banga, presidente da Prefeitura de Abu Dhabi.
No setor da educação, muitos profissionais sudaneses desempenharam papéis fundamentais, como o Dr. Bashir Hamad, que fundou a Faculdade de Medicina da Universidade de Al Ain, e o engenheiro Omar Fadlallah, que desenvolveu sistemas de governo eletrônico. As Forças Armadas do Sudão também estiveram presentes nesse processo, treinando os primeiros núcleos do exército dos Emirados e contribuindo com soldados e oficiais que atuaram nas áreas policial e judiciária, além da participação de juízes sudaneses no sistema judiciário emiradense.
A descrição do Sudão como um país instável, conforme mencionado no artigo, ignora esse legado brilhante do papel do Sudão e sua contribuição para o desenvolvimento vivenciado pelos Emirados. Pior ainda, tal descrição vem acompanhada de ações que aumentam ainda mais a instabilidade, como o apoio à milícia Forças de Apoio Rápido com armas sofisticadas, de acordo com relatórios internacionais, jornalísticos e investigativos disponíveis em diversas plataformas digitais. Essa guerra resultou na morte de mais de 300 mil cidadãos e no deslocamento de um quarto da população sudanesa, que soma 50 milhões de pessoas, para outros estados e países vizinhos.
Falar sobre investimentos e ajuda humanitária, como citado no artigo, não compensa a vida de uma única pessoa que foi morta, nem equivale ao valor de uma única sala de múmias no Museu Sudanês, que representa uma rica herança histórica, ou ao valor do que foi roubado e destruído nos Arquivos Nacionais do Sudão ou na Rádio Nacional Sudanesa – ambos considerados parte da memória do povo sudanês. Também não compensa a destruição de universidades e instituições de ensino. É lamentável que essa ajuda, supostamente humanitária, esteja na verdade servindo para apoiar a milícia e seus aliados. O ouro saqueado do país está sendo direcionado aos mercados dos Emirados por meio dessa milícia, ao invés de fortalecer relações saudáveis.
A decisão do Sudão de recorrer à Corte Internacional de Justiça é uma ação legal e civilizada, refletindo a justiça de sua causa e sua confiança nas provas que fortalecem sua posição. Não é um caso isolado — há também disputas fronteiriças entre os Emirados e seus vizinhos que foram levadas ao âmbito jurídico como forma de resolver o conflito.
Esperamos que os irmãos deixem de intervir em nossos assuntos internos. Os sudaneses são plenamente capazes de resolver suas próprias questões. Que se diga o bem, ou que se guarde o silêncio.