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A embaixadora Sônia Regina Guimarães Gomes será a nova embaixadora do Brasil na República Tcheca, país com quem o Brasil possui relações históricas. “Desde o século XVI temos registros de conexões entre os dois países”, conta a embaixadora, em entrevista exclusiva ao Diplomacia Business.
A arquiduquesa Maria Leopoldina, quando se casou com Dom Pedro I, trouxe em sua comitiva na viagem ao Brasil um naturalista tcheco, Jan Emanuel Pohl, responsável por catalogar parte da flora brasileira. “Havia também um pintor tcheco, Ferdinand Stanislav Krumloz, que acabou se especializando como retratista de fidalgos e da família real. Há inclusive quadro dele no Museu de Petrópolis, retratando D. Pedro II e a Imperatriz Teresa Cristina”, explica a embaixadora. Ela destaca que há vários filhos ilustres descendentes de tchecos no Brasil, mas o mais importante é Juscelino Kubitschek.
À frente da embaixada do Brasil na República Tcheca, a embaixadora Sônia Regina quer trabalhar na divulgação conjunta não só de produtos, mas de regiões do Brasil e seu potencial econômico, turístico e cultural. Veja a entrevista completa:
Diplomacia Business – A sra. será embaixadora do Brasil na República Tcheca. Como estão as relações do Brasil com essa República?
Embaixadora Sônia Regina Guimarães Gomes – As relações entre o Brasil e a República Tcheca são históricas. O Brasil reconheceu a então Tchecoslováquia quando o país foi criado em 1918, após o fim da Primeira Grande Guerra. Foi defensor da autonomia do país durante os anos da invasão nazista e prontamente reconheceu a nova configuração surgida em 1/01/1993 (a chamada Revolução de Veludo) que sacramentou a separação pacífica da República Tcheca da República Eslovaca. Nossos laços são históricos e, apesar de não haver um forte fluxo imigratório de tchecos para o Brasil, nosso país é o segundo país sul-americano com maior número de imigrantes tchecos ou eslovacos, depois da Argentina.
Desde o século XVI temos registros de conexões entre os dois países. Descobri, por exemplo, que quando D. Pedro I se casou com a Arquiduquesa Maria Leopoldina (que era natural do então Império Austro-Húngaro, do qual a República Tcheca fazia parte à época), ela trouxe na sua comitiva na viagem ao Brasil um naturalista tcheco, Jan Emanuel Pohl, responsável por catalogar grande parte da flora brasileira. Havia também um pintor tcheco Ferdinand Stanislav Krumloz, que acabou se especializando como retratista de fidalgos e da família real. Há inclusive quadro dele no Museu de Petrópolis, retratando D. Pedro II e a Imperatriz Teresa Cristina. O fluxo de imigração aumentou no século XIX e foi a partir desta época que temos um fluxo maior sobretudo para o sul e centro sul do Brasil onde havia oferta de terra agricultável. Há vários filhos ilustres que são descendentes de tchecos no Brasil, mas o mais importante é Juscelino Kubitschek.
Obviamente sempre há espaço para adensar as relações. A RT (República Tcheca) é um país desenvolvido, com economia forte, onde se destacam os setores da aeronáutica, farmacêutica e de tecnologia da informação. É um país plenamente integrado no projeto europeu e que vê com bons olhos a maior integração com o Brasil e os países do Mercosul. É também um potencial parceiro para acordos na área educacional e de inovação.
O café e a cachaça brasileiras são muito apreciados na República Tcheca. Como a sra. pretende reforçar a divulgação e os negócios desses produtos na região? Quais outros produtos brasileiros e empreendimentos, a sra. quer reforçar na República Tcheca?
Embaixadora Sônia Regina Guimarães Gomes– O objetivo é divulgar não só o café e a cachaça, mas buscar ampliar a divulgação dos produtos brasileiros. O objetivo é trabalhar na divulgação conjunta de produtos e de regiões do Brasil e seu potencial econômico, turístico e cultural. A ideia é tentar organizar feiras e mostras de produtos e culinária brasileiros. Esses eventos podem não só servir como vitrine de produtos específicos, mas servem igualmente para ampliar a divulgação do Brasil e de suas potencialidades, além de poder unir promoção comercial e cultural.
Quais serão as prioridades da sra. na República Tcheca?
Embaixadora Sônia Regina Guimarães Gomes – Há várias áreas de atuação. A primeira seria tentar aproveitar que a RT assume a presidência da UE em junho para buscar acelerar a ratificação do Acordo Mercosul/União Europeia. Há também a cooperação na área de defesa e a possibilidade de venda de avião militar de transporte o KC 390 da Embraer para a RT. A área da cooperação educacional oferece grandes possibilidades, pois várias universidades brasileiras manifestaram interesse em realizar acordos de cooperação e de intercâmbio de alunos entre os países. E, claro, desejo muito fazer feiras gastronômicas para divulgar produtos e a cultura brasileiros.
A sra. se formou em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília. Quais lembranças a sra. tem desse tempo e como vê hoje Brasília?
Embaixadora Sônia Regina Guimarães Gomes – O tempo de UnB foi uma delícia para mim! Eu amei fazer o curso de Relações Internacionais e pela primeira vez na minha vida eu redescobri o prazer de estudar para conhecer mais um assunto que me fascinava, de poder ser curiosa. E para mim era maravilhoso poder, além das matérias obrigatórias, me aventurar por outras áreas. Eu sou apaixonada por História e a UnB me deu a oportunidade de estudar isso como matérias optativas. O ensino médio, pelo menos na minha época, deixava muito pouco espaço para o aprendizado pelo prazer. Tudo era obrigatório e tudo estava voltado para o vestibular. A Universidade me devolveu o prazer de aprender, de conhecer, de ampliar horizontes, sendo que eu era quem decidia por que caminho seguir. E é preciso lembrar que é a fase que ampliamos nossa visão de mundo, conhecendo pessoas e ideias diferentes. Sair da universidade, inclusive, foi meio triste, pois foi uma experiência maravilhosa!
Eu nasci em São Paulo, mas na realidade eu cresci em Brasília. Minha família se mudou para a cidade quando eu tinha 9 anos. É em Brasília que tenho os amigos queridos; onde tive meus filhos e agora onde mora meu neto; minha memória afetiva tem a cidade como pano de fundo. É em Brasília que me acho, que me encontro. Eu vi a cidade mudar, crescer e amadurecer. Hoje vejo uma cidade com personalidade própria, lindamente única e particular. Quando estou longe de Brasília me emociono quando vejo as fotos dos ipês floridos, daquele céu maravilhoso e único para mim. Brasília hoje é mais complexa, e por essa razão bem mais interessante!
A sra. trabalhou nas embaixadas brasileiras em Barbados, Itália, Paraguai e São Tomé e Príncipe; como cônsul em Los Angeles, Chicago; e chefe do escritório financeiro em Nova Iorque. Que balanço faz dessas experiências?
Embaixadora Sônia Regina Guimarães Gomes – Faço aqui uma correção. No Itamaraty fazemos uma distinção entre as missões permanentes que temos no exterior e as temporárias. As permanentes são a que ficamos por três ou mais anos. Já as temporárias são por períodos curtos, meses, normalmente. Minhas missões permanentes foram em Roma, Assunção, Los Angeles, Praia (Cabo Verde), Escritório Financeiro em Nova York e agora Praga. Barbados, Chicago e São Tomé foram missões temporárias, onde fiquei menos de dois meses em cada um desses lugares. Assim, considero que minha experiência profissional foi moldada mais pelas missões permanentes e menos pelas transitórias.
Eu costumo brincar que encaro minhas mudanças de países como um fotógrafo: é preciso ajustar a lente e descobrir a beleza, o detalhe inusitado, o especial de cada lugar. Creio que é preciso ter o olhar apurado para ver além da superfície, e sobretudo saber que não se pode esperar encontrar as mesmas coisas em diferentes lugares. Em Roma há a descoberta das semelhanças entre os dois países e da riqueza cultural, é uma cidade estonteante, onde sempre se descobre algo novo mesmo quando se passa pelas mesmas ruas.
Em Assunção temos a vasta miríade de assuntos, um trabalho intenso e interessante, e o povo acolhedor que nos dá aconchego e um dia a dia mais parecido com o do Brasil. Em Los Angeles descobri a importância do trabalho consular e de assistência a brasileiros e ao mesmo tempo, como me ocupei também dos assuntos culturais, como é fascinante vislumbrar o “lado B” da produção cinematográfica. De Cabo Verde guardo o maior carinho e respeito por um povo altivo que soube fazer de um punhado de ilhas vulcânicas no meio do mar um país organizado e que busca dar uma vida melhor e digna para sua população. Foi também onde eu mais senti que o meu trabalho fez diferença, sobretudo pelos projetos de cooperação técnica, educacional e cultural. Nova York foi uma experiência bem peculiar, pois meu período nesta cidade foi praticamente vivido durante a pandemia de Covid-19. Mas mesmo com todas as restrições, o trabalho foi intenso na área técnica, e pude conhecer a cidade em um ritmo mais parecido com o meu. E agora que venha Praga!
A sra. participou da campanha Mais Mulheres Diplomatas, feita há três anos, pelo Itamaraty? Ainda é pouca a presença de mulheres na carreira de diplomatas no Brasil?
Embaixadora Sônia Regina Guimarães – Desde 2014 iniciou-se um movimento muito bonito de conversa e concertação das mulheres diplomatas para discutir os problemas enfrentados por nós. Criamos o Grupo de Mulheres e no período de 2014 a 2016 fui oficialmente a Coordenadora do Comitê Gestor de Gênero e Raça no Itamaraty. O Comitê buscou fazer um diagnóstico da situação das mulheres no MRE. Apesar de não ter sido possível concluir o trabalho, foi feito importante levantamento sobre o afunilamento da progressão funcional das mulheres na carreira. Ficamos, no entanto, com um mistério e um desafio: porque ainda poucas mulheres se interessam pela carreira e o que fazer para atraí-las.
A campanha, da qual participei com muito gosto, foi com o objetivo de atrair mais mulheres para o Instituto Rio Branco e assim aumentar a nossa presença dentro da instituição. Por alguma razão, que tenho apenas palpites, ficamos sempre por volta de apenas 20 a no máximo 30% de mulheres nas turmas que iniciam o Curso de Formação de Diplomatas. E esse número tende a se reduzir quanto mais alto o cargo.
Preservação ambiental e produção agrícola sustentável no Brasil. Como a sra. pretende trabalhar esses temas dentro da diplomacia?
Embaixadora Sônia Regina Guimarães Gomes– Há um tempo, escutando um programa de rádio, me deparei com a seguinte definição: a soja brasileira tem mais tecnologia embarcada que muito produto industrializado. Lendo sobre o agronegócio podemos verificar que convivem dentro desse segmento perfis muito diferentes. De uma parte, e que reputo seja a maioria dos produtores, há o engajamento em produção sustentável e na busca do respeito ao meio ambiente. Até porque disso depende não só o acesso a mercados, mas a própria sobrevivência da atividade.
Como já falou a senadora Kátia Abreu, o combate ao desmatamento e a preservação das florestas é de interesse dos produtores rurais, pois é a floresta em pé que garante o regime de chuvas e sua regularidade e do qual tanto dependem os agricultores. Há, porém, uma minoria de produtores rurais – e escutei isso em uma bela entrevista concedida por Caetano Scannavino, coordenador da ONG Projeto Saúde e Alegria e integrante do Observatório do Clima, à Renata Lo Prete, que ele chamou de integrantes do “ogrobusiness” – que não têm visão de longo prazo e buscam ganhos imediatos e limitados comprometendo o futuro da atividade.
Segundo Sacnnavino, essa minoria é que faz os estragos. De sorte que vejo confluência de interesses entre preservação ambiental e produção agrícola sustentável e meu objetivo é mostrar que a maioria do setor produtivo brasileiro tem a mesma visão e quer trabalhar para combater a atuação dessa minoria.
A sra. sempre sonhou em ser diplomata? Como foi chegar nessa carreira e agora a embaixadora?
Embaixadora Sônia Regina Guimarães – Eu não me imaginava diplomata. Creio que por conta de todos os estereótipos que cercam a profissão. Na minha época eu via a diplomacia como uma atividade masculina, reservada a pessoas com familiares na carreira, ou que já haviam vivido fora. Eu era a própria antítese disso: mulher, filha de professores e sem nenhuma vivência de exterior. Fui me voltando para a carreira aos poucos e em função da escolha acadêmica. O amor pela diplomacia foi surgindo lentamente e foi despertado pelo curso de Relações Internacionais. No começo eu me sentia um peixe fora d’água, mas fui encontrando a minha turma, criando o círculo de amigos e de pessoas com pensamento e objetivos comuns.
Hoje sou muito grata a essa instituição que me formou como pessoa, já que ingressei no Rio Branco com 24 anos, e foi o único trabalho que tive na minha vida. Chegar a embaixadora foi, como dizem os americanos, uma experiência com “mixed feelings”. É uma conquista, uma sensação de dever cumprido, uma realização. Mas também me fez refletir sobre todas as dificuldades e obstáculos, que precisaram ser enfrentados, e todas as escolhas que precisaram ser feitas. Hoje vivo o cargo com o desejo de realizar um bom trabalho, mas também com a intenção de tornar a trajetória um pouco mais leve para os que vierem depois de mim, sobretudo para as mulheres.
Perfil
A embaixadora Sônia Regina Guimarães se formou em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB). Ingressou no Itamaraty em 1987 e hoje é ministra de primeira classe. Já trabalhou nas embaixadas brasileiras em Bridgetown (Barbados), Roma (Itália), Assunção (Paraguai) e São Tomé (São Tomé e Príncipe). Também atuou como cônsul-adjunta no Consulado-Geral em Los Angeles, cônsul-adjunta no Consulado-Geral em Chicago e como chefe no Escritório Financeiro em Nova York. Agora será a embaixadora do Brasil na República Tcheca.