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Durante a cerimônia oficial de retorno do manto Tupinambá ao Brasil, organizada pelo governo federal com atuação do Ministério dos Povos Indígenas, no Museu Nacional, localizado no Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula afirmou que vai dialogar com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, para tratar da Terra Indígena de Olivença, no sul da Bahia, onde vivem os povos Tupinambá.
“Vou ver se a gente pode fazer o possível e o impossível, diante da grandiosidade do retorno do manto sagrado. Se podemos, de uma vez por todas, desintrusar as terras Tupinambá para que vocês possam viver com tranquilidade”, declarou o presidente.
Além disso, Lula reforçou sua posição contrária à tese do marco temporal para terras indígenas. “Os povos indígenas ocupavam essas terras muito, mas muito antes do que o marco temporal equivocadamente pretende estabelecer. A luta dos povos Tupinambá e de todos os povos indígenas é centenária, justa e legítima”, afirmou
Ele também pediu ao governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, para atender às demandas dos indígenas, que pedem a construção de um museu de arte Tupinambá, além da garantia de demarcação de seu território. “O manto está no Museu Nacional, mas espero que todos compreendam que o lugar dele não é aqui. Tenho certeza de que vamos ter a compreensão do governador da Bahia de que ele tem a obrigação e o compromisso histórico de construir um lugar que possa receber esse manto e preservá-lo para que não venha a ser estragado”, disse.
Momento histórico
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, saudou o povo Tupinambá e citou a espera pelo manto por centenas de anos, visto pelos indígenas como uma entidade viva, um ancião sagrado. “Hoje celebramos um momento histórico de grande conquista: o retorno de um símbolo de profunda resistência, da espiritualidade e da ancestralidade do povo Tupinambá. Assim como seu ancestral, os Tupinambá foram desterritorializados durante cinco séculos de Brasil e lutam até os dias de hoje para retornarem aos seus territórios ancestrais”, destacou Guajajara.
A ministra reconheceu os esforços da Dinamarca, país que detinha o manto desde 1689, para trazer a vestimenta rara de volta ao país de origem e, no processo, trazer holofotes para uma população indígena que chegou a ser considerada extinta. “Este retorno é apenas uma parte do processo, um primeiro passo de muitos que ainda virão, mas é significativo, pois marca o compromisso de olhar para o passado colonial de forma crítica, visibilizando a atuação política dos povos indígenas e de construir um futuro de justiça, de dignidade e de respeito.”
Sonia Guajajara frisou que mesmo diante da necessidade de criar um marco jurídico internacional para a devolução de vários outros bens indígenas, a Dinamarca teve a coragem de interpretar o significado mais profundo do manto para além de um objeto museológico, levando em conta o valor espiritual para os Tupinambá.
Um Brasil diferente
A cacica Jamopoty Tupinambá, filha da liderança Nivalda Amatora, que no ano 2000 iniciou um movimento para trazer o item inestimável ao Brasil, classificou o manto como uma forma de reconhecimento da própria história de apagamento das tradições indígenas. Ela fez questão de definir o retorno do artefato como uma maneira de recontar a história da colonização e usar a sua força para mudar sua direção.
“Estamos fazendo vigília aqui no Museu desde o dia 7. Pedimos ajuda ao manto para que sejamos atendidos e para que ele dure mais 300 anos para ver um Brasil diferente”, afirmou Jamopoty.
A anciã da comunidade dos Tupinambá de Olivença, Maria Yakuy, enfatizou o manto como um ente vivo, que dá mais coragem aos povos indígenas para enfrentarem os desafios por demarcação e pela garantia de direitos constitucionais. “Viemos da Bahia para estar junto ao nosso ancião mais velho, um símbolo de força e união de tempos imemoriais, para que possamos ser ouvidos por quem tem poder de decisão”, relatou.
Reconhecidos como povo indígena em 2001 pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), os Tupinambá aguardam a emissão de uma portaria declaratória desde 2009, quando o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) do órgão indigenista foi concluído. Atualmente, há uma fila de 29 processos de Terras Indígenas delimitadas pela aguardando a publicação de portarias pelo Ministério da Justiça.
Solenidade
A cerimônia de retorno do manto ocorreu após dois dias, 10 e 11, dedicados exclusivamente para que os Tupinambá tivessem acesso à vestimenta e pudessem celebrar rezas, cânticos e rituais, conforme seus costumes e cultura. O evento foi realizado na área externa do Palácio de São Cristóvão, prédio sede do Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, que foi parcialmente destruído após um incêndio em 2 de setembro de 2018.
A iniciativa registrou a presença do secretário executivo do Ministério da Educação, Leonardo Barchini; do secretário-executivo do Ministério da Cultura, Márcio Tavares; do secretário de Promoção Comercial, Ciência, Tecnologia e Inovação e Cultura do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Laudemar Aguiar, e do governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues.
Diversas autoridades da capital do Rio de Janeiro e deputados federais atenderam à solenidade, que também contou com a participação da embaixadora da Dinamarca, Eva Bisgaard Pedersen, e de uma comitiva Tupinambá de aproximadamente 170 pessoas que vieram de Olivença (BA) para se encontrar com o item sagrado.
Museu Nacional
Desde o dia 4 de julho, o manto está acondicionado no Museu Nacional pela equipe de restauração da instituição, que proporciona as condições ideais de clima, temperatura e luz para que o manto permaneça intacto para ser visitado por gerações futuras. Com cerca de 1,80m de altura e menos de um metro de largura, o manto Tupinambá é feito com técnicas de costura específicas e penas majoritariamente provenientes da ave guará, de coloração vermelha. Os mantos eram utilizados em rituais e cerimônias por lideranças indígenas. Ao todo, existem 11 mantos de que se tem conhecimento na Europa. Os demais estão na Noruega, Itália, França, Bélgica e Suíça.
No contexto da reconstrução do Museu Nacional, o primeiro museu e instituição científica do país, o Manto Tupinambá se integra à recomposição das coleções, após o incêndio. Desde então, junto a diversos parceiros, a instituição, que é um órgão ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), procura restaurar o prédio histórico para devolver exposições à sociedade, assim como dar continuidade às atividades de ensino, pesquisa e extensão.
“Nos últimos dias, vivemos uma experiência maravilhosa em nossa casa, com a visita do povo Tupinambá de Olivença. Um museu universitário do século 21, como o Museu Nacional, precisa estar comprometido junto com as instituições de estado na salvaguarda do patrimônio material e imaterial do país, assim como nos processos educacionais, culturais e políticos para a construção de um país soberano e mais justo”, concluiu Andreia da Costa, vice-diretora do Museu Nacional.
Fonte: Ministério dos Povos Indígenas.