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Daniel Zonshine voltou a Brasília em 2021 como novo embaixador de Israel. Ele já havia trabalhado aqui duas décadas atrás, em função administrativa na embaixada entre 1998 e 2002.
Na carreira diplomática desde 1990, um de seus desafios no Brasil é gerar mais negócios entre os dois países. Em entrevista ao Diplomacia Business, o diplomata comemorou os acordos bilaterais assinados recentemente, destacando as contribuições que seu país pode oferecer, em especial nas áreas de tecnologia e agricultura.
Lembrou ainda os laços históricos que unem Israel e Brasil, com a vinda de imigrantes judeus desde o final do século 19, e do grande interesse dos turistas brasileiros na Terra Santa.
Leia a entrevista completa:
Diplomacia Business: Recentemente, foi aprovado na Câmara dos Deputados o acordo de cooperação assinado por Brasil e Israel, previsto no Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 228/21. A matéria, que ainda precisa passar pelo Senado, prevê o intercâmbio de tecnologias, treinamento, pesquisa e desenvolvimento, apoio logístico e mobilização. Como o senhor vê essa proximidade?
Embaixador Daniel Zonshine: As relações dos nossos países são baseadas em interesses comuns e temos acordos também nas áreas de ciência e tecnologia. A aprovação desse acordo de defesa, assinado em Jerusalém em 2019, é um bom exemplo das coisas que podemos realizar juntos.
A colaboração entre Brasil e Israel nesse sentido é importante porque não se trata de venda de equipamento militar, mas inclui troca de tecnologias e a possibilidade de criar aqui um ambiente comum de trabalho. É algo que vai além do eventual preço de um outro equipamento ou veículo. Acreditamos que esses acordos ajudam a fortalecer nossa relação bilateral.
Desde a campanha eleitoral, Jair Bolsonaro citava Israel como um exemplo a ser seguido, devido aos desafios que seu país venceu, principalmente na parte da agricultura. A tecnologia israelense poderia ajudar a mudar a situação do nordeste brasileiro, que tem algumas semelhanças na questão geográfica e climática.
Como mencionei, temos acordos na área de agricultura encaminhados, que podem auxiliar nisso. Fizemos algumas semanas atrás uma apresentação de algumas ‘habilidades’ israelenses na agricultura e manejo de água. Acreditamos que são coisas relevantes para o Brasil, podendo ajudar a agricultura brasileira, que já é avançada. Porém, temos experiência em lidar com as condições adversas de regiões do semiárido e desertificadas. Isso pode ajudar em especial o Nordeste. Já tratamos das possibilidades de cooperação acadêmica e prática, que envolve a aplicação de tecnologias israelenses.
Isso é algo relevante, mas não é a única coisa que podemos oferecer ao Brasil. Em 2022 queremos aprofundar a relação, envolvendo empresas israelenses que ainda não tem escritórios aqui, mas que possuem grande potencial para colaborar. Vamos tentar trazê-las para cá e vencer algumas dificuldades básica, como a língua e as diferenças culturais. Não é muito fácil nem natural, eu diria, investir forte no Brasil, considerando que há um custo alto para os estudos de viabilidade. Essas são algumas das barreiras, porém o potencial aqui é grande! Tenho certeza que é possível aprimorar a relação comercial de novas empresas israelenses com o Brasil.
Trabalhamos também junto às Câmaras de Comércio israelense em alguns estados brasileiros. Elas tentam promover novas ligações e aproximar as empresas dos dois países. Por exemplo, em maio de 2022 teremos uma grande exposição de agricultura em Israel. Ela ocorre a cada três anos e, se a pandemia estiver controlada, esperamos receber este ano a maior delegação brasileira da história. Se não conseguirmos realizar a feira em maio, ela deverá ser adiada para setembro.
O senhor falou sobre desenvolvimento de tecnologia. Israel é conhecida como a “terra das startups”. Na sua opinião, o que o Brasil pode aprender com a experiência de vocês?
Uma coisa que foi desenvolvida em Israel, além de soluções tecnológicas, foi todo o ecossistema envolvido. Isso é, a maneira como o governo federal e o governo municipal se aliaram às empresas para a promoção do desenvolvimento.
Acredito que podemos mostrar como é possível incentivar a criatividade e a inovação, criando um ambiente que incentiva e oferece as condições para que as empresas que têm ideias para novos produtos os tornem realidade. Nosso governo procura criar espaços para integração, troca de ideias, oferecendo apoio logístico, técnico, sempre adaptando a legislação para facilitar os investimentos.
Veja bem, as Forças Armadas de Israel são um grande produtor de novas tecnologias e não só para armamentos. Por exemplo, Israel é um grande exportador de tâmaras. Há um tipo de besouro que ataca a tamareira e, sem ser visto, ‘come’ ela por dentro, até que a árvore cai. Essa é uma ameaça grande, que pode causar muitos prejuízos. Pois alguns militares utilizaram um aparelho de detecção do exército, que ajuda a identificar a frequência emitida pelo bichinho e mostra onde ele está dentro das tamareiras.
É uma vantagem termos essas soluções tecnológicas que podem ser usadas em campos diferentes. No Brasil, a vassoura-de-bruxa ataca os cacaueiros em algumas áreas no Nordeste, como a Bahia e outros lugares. Então seria possível usar nossa tecnologia para identificar esse pragas que causam danos à agricultura por aqui.
Considerado todo o histórico da relação do Brasil com a imigração judaica, reconhecemos que o povo judeu é um dos povos formadores do país. Como o senhor vê essa ligação histórica?
Embaixador Daniel Zonshine: Sabemos que a comunidade judaica tem uma influência em várias áreas, integrando o arcabouço da sociedade brasileira. De fato, podemos achar judeus em muitos lugares. Por exemplo, o ministro Luiz Barroso, do STF, é filho de mãe judia. O ministro Luiz Fux também é de família judaica. Ou seja, a contribuição do povo judeu no Brasil pode ser percebida de várias formas, por exemplo, na cultura, na economia, no meio acadêmico…
As relações com a comunidade judaica com o Estado de Israel são muito boas. A Embaixada mantém contato constante com eles, e nossos Consulados-Gerais também. Recentemente, no encontro da CONIB (Confederação Israelita do Brasil) havia pessoas vindo desde o Rio Grande do Sul até o Pará. Há algumas comunidades bem pequenas, mas que mantém as tradições. Nós estimulamos essa boa relação deles com o Estado de Israel, especialmente os mais jovens.
O turismo religioso na Terra Santa é muito atrativo para os brasileiros. Como o senhor avalia esse interesse turístico em Israel?
É muito importante. Em 2019, cerca de 80 mil brasileiros visitaram Israel para turismo. A ideia é que, assim que a pandemia acabar, esse número volte a crescer. Acreditamos que temos mais a oferecer em Israel além do lado religioso. Muitas pessoas querem visitar a Terra Santa, ir a Jerusalém e Nazaré e Mar Morto, por exemplo, mas temos muito mais.
Já conversamos com muitas agências de turismo para avaliar opções. É a mesma coisa no Brasil. Aqui não tem só Carnaval para ver, há muitas outras coisas. Israel é um país bem pequeno, então é fácil visitar outras áreas e conhecer melhor a cultura israelense. Estamos trabalhando para divulgar mais as diversas atrações de Israel na área do turismo.
A Embaixada possui alguns programas sociais, voltados principalmente para crianças em situação de vulnerabilidade. Como é esse trabalho diplomático entre pessoas que não sabem muito sobre Israel?
Além da relação junto ao governo, também procuramos estar em contato com o povo brasileiro. Inauguramos no mês passado o ‘Espaço Criança’ em uma Unidade Básica de Saúde de Sobradinho (DF), para qual fizemos doação de livros, brinquedos e móveis.
Nos preocupamos com o povo brasileiro. Temos alguns outros projetos nesse sentido para 2022, que inclui ações culturais, de assistência e capacitação. Isso faz parte do trabalho da embaixada, de ajudar como pudermos. É o Tikun Olam [mandamento judaico de ‘melhorar o mundo’].