Com graduação em Ciências Sociais e Rádio Jornalismo, entre outras qualificações, Vusi Mavimbela tem uma longa carreira política e diplomática, tendo servido como embaixador da África do Sul no Zimbábue e no Egito.
Em entrevista ao Diplomacia Business, o atual embaixador sul-africano no Brasil fala sobre o Dia Nacional de seu país, celebrado este mês, além das influências africanas na cultura brasileira. Tratou ainda sobre o turismo em seu país, além das relações bilaterais com o Brasil e os potenciais para cooperação e crescimento conjunto em diversas áreas.
Diplomacia Business: O Dia Nacional da África do Sul é comemorado em 27 de abril. A que se refere esta data e como serão as comemorações dentro e fora do país?
Embaixador Vusi Mavimbela: Nós o chamamos de “Dia da Liberdade”. Celebrado anualmente, lembra a data das primeiras eleições democráticas não raciais da África do Sul, ocorrida em 1994. É significativo porque marca o fim de mais de trezentos anos de colonialismo, segregação e domínio da minoria branca. Também marca o estabelecimento de um novo governo democrático liderada por Nelson Mandela, em um novo estado, sujeito a uma nova constituição. A realização das primeiras eleições não raciais foi o resultado final de anos de luta e de um acordo negociado que levou à legalização das organizações de libertação, à libertação de presos políticos e ao regresso dos exilados, bem como às negociações formais entre todos os partidos que redigiram um constituição provisória.
Na África do Sul e no exterior, celebramos o evento prestando homenagem aos bravos ativistas que desempenharam um papel na libertação sul-africana. É um dia para refletir sobre o quanto avançamos na construção de uma nação nova, unida e democrática. O Dia da Liberdade oferece aos sul-africanos a oportunidade de se comprometerem a lutar contra o legado do racismo e da desigualdade econômica, além de renovar sua lealdade ao país e seu compromisso com o futuro.
Como é o turismo na África do Sul?
A África do Sul está aberta para o turismo! Estamos liderando a mudança global para uma era global de viagens e turismo “pós bloqueio” causado pela pandemia.
Posso dizer que a África do Sul é o sonho de um viajante, da beleza de tirar o fôlego, às costas ensolaradas; da vida selvagem à aventura ativa; da vibrante energia urbana ao incrível calor e diversidade cultural do nosso povo. Agora, após dois anos de movimentos restritos de viagens, convidamos o mundo a conhecer este país repleto de experiências ricas, autênticas e não filtradas e a viver de novo!
É claro que a pandemia ainda não nos deixou e, portanto, devemos permanecer vigilantes e ainda ter cautela. Por esta razão, o governo sul-africano publicou “Normas e Diretrizes para as operações seguras do Setor de Turismo no Contexto de Covid-19 e outras pandemias relacionadas”, em 31 de dezembro de 2021.
Tais regulamentos estabelecem práticas universais mínimas que o setor do turismo deve cumprir para evitar a propagação do Covid-19 e outras pandemias relacionadas. Seus padrões estão de acordo com as medidas propostas pela Organização Mundial de Turismo das Nações Unidas. A saúde e a segurança de todos os viajantes continua sendo nossa prioridade.
Em 2021, ocorreram 2.255.699 chegadas de passageiros nos aeroportos da África do Sul. Já vemos cada vez mais sinais verdes do que promete ser uma forte recuperação do setor, com milhares de viajantes em nosso território para matar a vontade de viajar que os têm incomodado por dois anos.
Como está a infraestrutura hoteleira e aeroportuária do país para receber turistas do exterior?
O turismo internacional e doméstico na África do Sul depende de uma infraestrutura bem administrada e mantida. A África do Sul é conhecida pela sua infraestrutura turística, desde alojamento (hotéis, pensões, pousadas, etc.), até restaurantes, aeroportos, ônibus e veículos (para deslocamentos ou viagens de luxo) e estradas.
Continuamos a investir nesta infraestrutura para potenciar as experiências dos visitantes, mas também para que o turismo contribua para a criação de emprego, para a valorização socioeconômica das comunidades, para a proteção do patrimônio natural e cultural, para o desenvolvimento de competências e o crescimento da economia sul-africana.
Foram destinados R$ 190 milhões para investimentos em 100 projetos de infraestrutura turística em todo o país. Além disso, dois dos maiores aeroportos da África do Sul: Tambo, em Johannesburgo, e o Aeroporto Internacional da Cidade do Cabo, estavam sendo reformados antes da pandemia e facilitam o acesso aos lugares turísticos.
Quais setores são interessantes para os empresários brasileiros investirem na África do Sul? Que facilidades encontram para investir no seu país?
As indústrias prioritárias da África do Sul para o Investimento Direto Estrangeiro são:
- Economia Verde (energias renováveis, gestão de resíduos, eficiência energética e tecnologia mais limpa);
- Indústrias baseadas em recursos (mineração e beneficiamento, metais, petróleo e gás e agronegócio);
- Serviços (processamento e terceirização de negócios, call centers, tecnologia da informação e comunicação, produção de filmes, turismo e construção de barcos);
- Manufatura (componentes automotivos, equipamentos de couro e calçados, produtos e móveis florestais);
- Tecnologia avançada de fabricação (nanotecnologia; fabricação avançada, biocombustíveis, engenharia de precisão, aeroespacial, produtos químicos bioquímicos, plásticos e compósitos e biofarmacêuticos e dispositivos médicos);
Temos cinco Zonas Econômicas Especiais, com mais quatro em desenvolvimento, que estimulam o investimento em setores específicos. A África do Sul faz parte de 13 acordos comerciais, que fornecem acesso preferencial a um mercado de mais de 4 bilhões de consumidores e um PIB combinado de mais de US$ 80 trilhões.
A África do Sul também oferece uma ampla gama de incentivos para investimentos em manufatura, exportação, serviços, infraestrutura, tecnologia e inovação. Nosso “one-stop shop” foi projetado para fornecer serviços de consultoria especializados para investidores; coordenar eficazmente os vários departamentos de linha; comunicar todos os serviços aos atuais e potenciais investidores; atuar como a janela facilitadora de liberação de registros, licenciamentos e alvarás; facilitar o fornecimento de informações e apoio sobre os sistemas de incentivos aos investidores disponíveis e coordenar o processo de reforma regulatória na África do Sul, bem como melhorar o ambiente de investimento.
A 4ª Conferência de Investimento da África do Sul, realizada em Johannesburgo dia 24 de março, mostrou que a África do Sul é um destino de investimento atraente, com US$ 22 bilhões adicionais investidos em diferentes projetos em vários setores. Faltando apenas um ano, a África do Sul já atingiu 95% da meta estabelecida em 2018, de arrecadar US$ 100 bilhões em um período de cinco anos.
Que tipo de facilidades o Governo da África do Sul tem dado às pequenas e médias empresas?
O Plano de Reconstrução e Recuperação Econômica da África do Sul para 2020 destaca a necessidade de o governo apoiar de forma mais eficaz o crescimento de pequenas, médias e micro empresas (SMME na sigla original) e cooperativas vibrantes e sustentáveis para alcançar uma economia inclusiva.
Em 2020, o governo sul-africano alocou mais de US$ 33 milhões para estabelecer o SMME Debt Relief Scheme, ajudando as empresas a se manterem operantes durante a pandemia. Nosso governo também desenvolveu um Esquema de Viabilidade de Negócios que ajudará a posicionar as pequenas e médias empresas (PME) para impulsionar a recuperação econômica. Um Programa de Empreendedorismo Urbano e Rural está ajudando a trazer mais pessoas do setor informal para a economia convencional, por meio de apoio financeiro e assistência ao desenvolvimento de negócios.
Estamos também a apostar nas PMEs lideradas por jovens, com vista a impulsionar o empreendedorismo jovem. As PMEs pertencentes a grupos específicos (mulheres, jovens e pessoas com deficiência) também se beneficiarão desse programa do governo. O Esquema de Manufatura está apoiando essas empresas para adquirirem maior capacidade de fornecer produtos na qualidade e quantidade certas, enquanto a aquisição por todos os departamentos governamentais deve atingir as seguintes metas: pelo menos 40% deve ir para empresas pertencentes a mulheres, 30% para empresas fundadas por jovens e 7% para empresas de pessoas com deficiência.
O recém-criado Programa de Investimento Equivalente Abadali, uma parceria entre a África do Sul e a empresa internacional de serviços financeiros JP Morgan, apoiará as PMEs – especialmente na economia verde e manufatura – com financiamento e treinamento. O programa prevê que o JP Morgan invista US$ 23 milhões em empréstimos e doações para essas PMEs. As doações e empréstimos buscam liberar US$ 140 milhões em capital em financiamentos de curto, médio e longo prazo ao longo dos oito anos.
A África do Sul também está fornecendo apoio e treinamento para suas PMEs para se beneficiar da Zona de Comércio Livre Continental Africana.
Saúde, Agricultura e Meio Ambiente são os principais vetores das relações e cooperação entre África do Sul e Brasil. O que tem sido feito nesse sentido e de que forma essa parceria pode se expandir?
Temos uma grande cooperação entre os governos sul-africano e brasileiro, nas áreas de saúde, agricultura e meio ambiente, além dos setores de defesa e energia.
Em assuntos de saúde, trocamos regularmente informações sobre questões atuais. Por exemplo, recentemente foram realizadas discussões sobre as capacidades de vigilância genômica para o SARS-Cov-2, bem como suas experiências na detecção e monitoramento de variantes e sua prevalência em seus respectivos países. Há um memorando de entendimento pendente entre a África do Sul e o Brasil para cooperação no campo da saúde e medicina.
Os dois países estão ativamente envolvidos em questões de diplomacia da saúde dentro do BRICS e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em 22 de março deste ano, o BRICS criou o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Vacinas, uma iniciativa proposta pela África do Sul durante sua presidência do bloco em 2018. Este é um marco importante que oferecerá as melhores práticas na cooperação científica internacional e aprofundará a parceria do BRICS.
Na Agricultura, uma proposta de Memorando de Entendimento, proposta pela África do Sul, está sendo avaliada pelo Brasil. Existem muitas semelhanças entre o Brasil e a África do Sul no campo vital da agricultura e um ambiente ativo de startups.
Com base na força e complementaridade da experiência do Brasil e da África do Sul de institutos de pesquisa agrícola de primeira linha e no talento tecnológico dos empresários de ambos os países, realizamos o primeiro seminário conjunto sobre agritech, dias 5 e 6 de maio de 2021, que reuniu representantes do governo, universidades, instituições de pesquisa, ambientes de inovação, startups e empreendedores, além do Programa Cross Incubation Brazil-South Africa for Agritech, que ocorreu no final de 2021. Obviamente desejamos exportar mais produtos agrícolas para o Brasil, mas aprender as melhores práticas e receber know-how técnico, dado o sucesso do Brasil no desenvolvimento de sua agroindústria.
Em 2013, foi assinado um acordo de cooperação na área de meio ambiente entre a África do Sul e o Brasil. Em novembro de 2021, assinamos um novo Plano de Implementação do Memorando de Entendimento, à margem da COP26, em Glasgow, que inclui cooperação por meio de esforços conjuntos para alcançar os objetivos estabelecido pela Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável (WSSD) e a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (UNCSD). Estão previstas trocas de experiências sobre instrumentos de política e gestão ambiental e sobre o fortalecimento da consciência ambiental, por meio da educação ambiental e da participação de seus cidadãos, além de troca de informações e apoio técnico relacionado à legislação de políticas ambientais, tecnologias ambientais e suas aplicações. Lembrando que há cooperação ativa em questões ambientais tanto no BRICS quanto no BASIC (bloco de quatro países recentemente industrializados: Brasil, África do Sul, Índia e China).
Quando será realizada em Brasília a próxima edição da Comissão Mista Bilateral Brasil-África do Sul? A ministra sul-africana de Relações Internacionais e Cooperação, Naledi Pandor, participará deste evento?
África do Sul e Brasil estão negociando a data para a realização da reunião bilateral da Comissão Mista no Brasil. Este é um ano de eleições no Brasil, então a agenda está bastante ocupada, mas esperamos chegar a um acordo sobre uma data o mais rápido possível. De fato, a Dra. Naledi Pandor será co-anfitriã da Comissão Conjunta com sua contraparte brasileira.
Altos funcionários de ambos os países reuniram-se em julho de 2021 e acordaram sobre várias áreas de cooperação e implementação de projetos. Assim, quando os ministros se reunirem, poderão informar sobre os progressos alcançados.
Vossa Excelência visitou a cidade de Salvador, Bahia. Quais são suas impressões sobre o estado da Bahia?
Minha primeira viagem fora de Brasília foi para o Estado da Bahia, em novembro de 2021. Foi uma visita movimentada, mas realmente especial e incrivelmente gratificante. Também coincidiu com o 30º aniversário da histórica visita do ex-presidente Nelson Mandela a Salvador.
Fui muito bem recebido por todos, incluindo o governador Rui Costa, o senador Jacques Wagner, o secretário Arany Santana, o secretário Mauricio Bacellar, o prefeito Bruno Reis, o presidente do Olodum, João Jorge, o vice-presidente da FIEB, Alexi Portella Junion, o Presidente do Ilê Aiyê, Antonio Carlos, o Reitor da Universidade do Estado da Bahia, José Bites de Carvalho, o Vice-Reitor da Universidade Federal da Bahia, Paulo Miguez de Oliveira, e os incrivelmente inspiradores representantes e professores do Instituto Steve Biko.
Participei das atividades do Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro de 2021, e fiquei totalmente impressionado quando a Banda Olodum e muitos dos participantes da marcha anual tocaram o “Nkosi Sikelela iAfrica” (Hino Nacional da África do Sul) com gritos de “Mandela” e “Biko”. Mais tarde naquela noite tive a honra de conhecer a cantora Margareth Menezes depois de assisti-la ao vivo. Também fui convidado para assistir a um jogo de futebol na Arena Fonte Nova.
Foi uma visita maravilhosa, e há um enorme potencial de cooperação da Bahia com a África do Sul, especialmente nas áreas de agricultura, educação, saúde e cultura. Desde então, tivemos compromissos de acompanhamento com várias instituições e nosso objetivo é geminar a Bahia com uma Província (equivalente a Estado) e Salvador com uma cidade na África do Sul para levar adiante a cooperação.
Também visitei Minas Gerais e Paraná. Identifiquei um potencial significativo de cooperação com a África do Sul em vários setores. Esses Estados contribuem significativamente para a economia brasileira e nosso foco está no fortalecimento da cooperação institucional entre governo, organizações privadas e da sociedade civil.
Música, religião, gastronomia, costumes e danças brasileiras têm forte influência africana. Como Vossa Excelência vê essas semelhanças?
Como sabemos, o Brasil abriga a maior população de afrodescendentes fora do continente africano, com a maioria deles no Estado da Bahia. De fato, foi nesse contexto que a Bahia foi escolhida para minha primeira visita oficial. Mais especificamente por sua relação histórica com o continente africano, além de sua profunda herança cultural e laços “de povo a povo” com a África.
Os escravos africanos e seus descendentes contribuíram para muitos dos costumes, costumes, práticas religiosas e comidas típicas, pelas quais Salvador é conhecida. O passado multicultural da cidade sobrevive até os dias atuais no colorido e rico patrimônio material e imaterial do centro histórico.
Senti-me em casa, não só pela diversidade da população, mas também pelas muitas outras semelhanças marcantes. As águas azuis do Oceano Atlântico e os edifícios multicoloridos lembram a Cidade do Cabo e as casas coloridas que abrigavam escravos livres no Bo-Kaap. A comida local deliciosa e picante remete à culinária de Durban e os novos cafés e bares cheios de baianos jovens e chiques se encaixariam perfeitamente em Maboneng, no centro de Johannesburgo.
Acreditamos que todas essas semelhanças e vínculos são a plataforma perfeita para fortalecer as relações interpessoais, especialmente turismo, artes e cultura e intercâmbios acadêmicos. Essa é uma prioridade para as relações da África do Sul com o Brasil.

Deixe seu comentário