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Ronald Wilson*
No cenário atual do mundo globalizado, é necessário fortalecer a capacidade de diálogo e negociação, tanto nos aspectos estratégicos quanto conjunturais. Essa comunicação é especialmente urgente no panorama atual da pandemia da Covid-19.
Parece cada vez mais evidente que o posicionamento dos Estados nos órgãos multilaterais de negociação exige a integração das propostas da sociedade civil, de forma que o diálogo e a negociação sejam acompanhados pela presença organizada e vigilante dos atores sociais.
Não há dúvida que, do ponto de vista institucional, o Estado é o principal ator nas relações internacionais e a diplomacia é o seu instrumento para a execução de sua política externa. Contudo, em tempos de globalização e crescente interconectividade, surgem novos paradigmas que mostram que a realidade internacional é composta não apenas por relações interestatais, mas por uma multiplicidade de atores, agendas e novos processos que extrapolam fronteiras e limites entre o interno e o internacional, entre o político e o social.
É preciso enfatizar que a participação da sociedade civil nas relações internacionais não é um fenômeno recente, já que a partir do século XVII encontramos históricos de ações e campanhas transnacionais promovidas por cidadãos e movimentos sociais, como o movimento anti-escravista, no final do século XIX, e os movimentos de operários e as organizações pelo sufrágio feminino. Além disso, a sociedade civil tem estado no centro de importantes negociações multilaterais e diplomáticas, especialmente em movimentos pela defesa da paz, dos direitos humanos e do meio ambiente, bem como em operações de ajuda humanitária em situações de guerra ou desastres naturais.
Esse processo não tem sido fácil devido à multiplicidade de ideias na sociedade civil, e porque grande parte das organizações intergovernamentais que fazem parte da atual estrutura de governança global são arcaicas e respondem a uma ordem internacional que requer mudanças e atualizações urgentes. É claro que sua evolução e formas de colaboração não acompanharam os desafios globais atuais.
Mesmo assim, nas últimas décadas, a sociedade civil tem conseguido cada vez mais concordar em participar de reuniões internacionais e apresentar contrapontos válidos e reconhecidos pelas organizações internacionais. É assim que as organizações não governamentais (ONGs) colaboram ativamente com as Nações Unidas como entidades consultivas do Conselho Econômico e Social (ECOSOC) ou como entidades credenciadas junto ao Departamento de Comunicação Global. Da mesma forma, a Organização dos Estados Americanos (OEA) tem criado espaços de participação da sociedade civil em suas atividades que institucionalizam e possibilitam a participação da sociedade civil nos órgãos políticos da OEA.
A diplomacia cidadã tem contribuído não só para fortalecer e diversificar as estratégias e impactos das OSCs, mas também para torná-las visíveis como atores ativos nas relações internacionais, cujo reconhecimento por diversas organizações e fóruns internacionais já é uma realidade. As organizações da sociedade civil estiveram presentes em vários fóruns e conferências internacionais, como os Fóruns Mundiais sobre Migração e Desenvolvimento, nas Conferências das Partes (COP 21) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, nos espaços de consulta em o quadro das cúpulas do G20, nas conferências da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, entre muitos outros.
Cabe lembrar que as OSCs têm desenvolvido diversas ações de diplomacia cidadã, como a apresentação de relatórios sombra a diferentes comitês da ONU encarregados de monitorar o cumprimento dos compromissos internacionais firmados pelos Estados no campo dos direitos humanos, a organização de campanhas e a utilização do contencioso internacional na Corte Interamericana de Direitos Humanos, aproveitando assim os espaços de proteção e garantias para obter sentenças que condenem Estados por violações de direitos humanos.
Nesse sentido, muitas das ações da diplomacia cidadã não se articulam em torno das nacionalidades, mas sim de interesses de grupos específicos e temáticos, fazendo com que os limites da política interna e externa tornem-se cada vez mais indeterminados. Fica, assim, evidenciado que a política externa não deve ser tratada apenas como um assunto de governo, mas sim de interesse público. Obviamente, embora tenhamos feito avanços valiosos na articulação do Itamaraty com a sociedade civil nos últimos anos, ainda há muito a fazer para tornar a política externa mais inclusiva e promover as alianças estratégicas necessárias para encontrar soluções aos desafios do século 21.
Em outras palavras, a sociedade civil precisa pensar localmente e agir globalmente, para aprimorar suas estratégias de advocacy, fortalecer sua presença nos debates internacionais e agir com alcance global. É urgente que a sociedade civil possa contribuir para a reflexão e visibilidade dos processos de diplomacia cidadã desenvolvidos, por meio das vozes dos atores que neles participaram. Ao mesmo tempo, é importante posicionar as vozes dos cidadãos em torno dos grandes debates que ocorrem atualmente sobre os mecanismos e agendas de desenvolvimento.
Por fim, trata-se de um esforço para reivindicar a diplomacia cidadã como uma importante estratégia de advocacy para a sociedade civil e como um mecanismo que contribui para o fortalecimento da participação cidadã no desenho, execução e avaliação da política externa, para a democratização da discussões internacionais, a geração de redes globais de defesa dos direitos humanos e a promoção da sociedade civil como ator estratégico para o desenvolvimento, tanto no âmbito nacional como internacional.
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*Ronald Wilson – Secretário Técnico das Mesas Temáticas com a Sociedade Civil do Senado do Chile Conselheiro da Fundação Cidadã para o Consumo Responsável (FCCR)