Ronald Wilson*
O longo processo de construção de uma agenda colaborativa em nível global, iniciado na década de 1990, conseguiu colocar o combate à fome e à pobreza no centro das preocupações mundiais, buscando enfocar esforços de ajuda ao desenvolvimento e bem-estar, implementada uma multidão de atores.
No campo das relações internacionais, os processos de integração regional que se realizam há décadas na América Latina podem ser citados como marcos fundamentais. As tentativas integracionistas da região sofreram avanços e retrocessos, mas sabemos com segurança que uma integração regional pertinente pode contribuir para preservar para as gerações futuras bens públicos globais como o clima e o meio ambiente e, simultaneamente, contribuir para um maior desenvolvimento em nível global.
Nas últimas décadas, tivemos vimos fóruns de integração regional sendo implementados e mantidos com relativo sucesso. Entre eles a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), o Fórum dos Ministros do Meio Ambiente da América Latina e do Caribe do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC).
As iniciativas que mais suscitaram o envolvimento e despertaram interesse da sociedade civil provavelmente foram as propostas de desenvolvimento sustentável. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas (ODM) foram uma tentativa fundamental por meio da elaboração de oito objetivos, para os quais os Estados Membros da ONU concordaram em atingir uma meta de Desenvolvimento até 2015. Os ODM foram assinados em setembro de 2000, quando líderes mundiais comprometeram-se com o combate à pobreza, fome, doenças, analfabetismo, deterioração do meio ambiente e discriminação contra as mulheres.
Em 2015, foi realizada a Cúpula de Desenvolvimento Sustentável. Na ocasião, divulgou-se a Agenda 2030, que contém os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Esses Objetivos visavam expandir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e atingir aqueles objetivos que não foram cumpridos na primeira agenda. A ideia central é que todos os países, independentemente de seu nível de desenvolvimento ou riqueza, se comprometam a promover o desenvolvimento e proteger o meio ambiente. Embora os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável não sejam obrigatórios, cada país assume a responsabilidade de trabalhar para o seu cumprimento.
Desde então, o desenvolvimento desses processos tem permitido, progressivamente, uma maior participação das Organizações da Sociedade Civil (OSC) nos processos de negociação multilateral como atores políticos, embora com influência limitada nos temas tradicionais das relações internacionais. As razões para esta dificuldade derivam tanto das deficiências das organizações multilaterais quanto da natureza heterogênea das OSC. Subjacentes a estes problemas estão diferentes lógicas, como as tensões entre capacidades universais e interesses particulares, multilateralismo e unilateralismo, hegemonia e governação, mercado e Estado, mercado e sociedade, sociedade civil e Estado, globalização e localismo, entre outras.
Diplomacia cidadã
Neste contexto, as Organizações da Sociedade Civil têm procurado configurar uma nova abordagem para as relações internacionais em nível global, que passou a ser denominado Diplomacia Cidadã. Esse conceito surge com o objetivo de caracterizar a participação da sociedade civil na busca de soluções para os conflitos de forma independente ou complementar aos esforços diplomáticos tradicionais e descrever as ações de incidência política desse setor nos organismos multilaterais, agendas internacionais e na política externa dos países.
Da mesma forma, a diplomacia cidadã surge como uma forma eficiente de posicionar agendas e demandas internacionais que não são tratadas no nível estadual, gerando prováveis efeitos que facilitam os processos de advocacy político no nível nacional. Este exercício de diplomacia cidadã pode ser alcançado por diferentes meios:
- Atividades de lobby e defesa perante governos, organizações multilaterais, conferências ou reuniões internacionais;
- Preparação e apresentação de relatórios alternativos aos diferentes comitês das Nações Unidas para garantir e monitorar o cumprimento dos compromissos internacionais que os Estados assumem por meio da ratificação de convenções, convênios e tratados internacionais.
- Utilização do contencioso internacional perante organismos multilaterais, utilizando espaços de proteção e garantias em direitos humanos. Um bom exemplo são as sentenças da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
- Organização de campanhas, através das redes sociais, e desenvolvimento de diferentes estratégias de comunicação internacional com foco na visibilidade e posicionamento dos temas, agendas e visões da sociedade civil.
- Desenvolvimento de projetos de pesquisa, observatórios, acompanhamento e elaboração de documentos com perspectiva internacional, que fiscalizem, questionem, enriquecem e propõem políticas alternativas às formuladas por governos e organismos internacionais.
- Construção de redes não governamentais internacionais agrupadas em torno de temas, regiões ou profissões e o estabelecimento de canais regulares de informação e comunicação dentro dessas redes.
- Articulação entre o local e o global, que permite uma ação externa com referências locais no seu país ou região de origem, tornando-se um canal de comunicação e diálogo entre os cidadãos e os centros de decisão e administração de poder em nível internacional.
Por meio dessa “outra diplomacia”, as questões das relações internacionais são ampliadas, com o objetivo de alcançar mecanismos de deliberação e de tomada de decisão mais inclusivos e participativos. Esse conceito não se opõe ao fato de os Estados sejam os responsáveis pela formulação e implementação da política externa, mas busca complementá-los, abrindo espaços que historicamente têm sido reservados aos organismos internacionais e à diplomacia formal.
Desse modo, os cidadãos comuns também se constituem como sujeitos das relações interestaduais e da respectiva articulação a nível global. A participação em processos globais e regionais passa a fazer parte do papel das diferentes expressões organizacionais que constituem a sociedade civil que, por definição, é heterogênea, diversa e plural.
É assim que o conceito de Estado e diplomacia se expandem de uma dimensão restrita para sua dimensão plena: as relações entre as nações não se exercem apenas por meio de governos, mas também pela participação plena e dirigente de seus povos. Sendo assim, a Diplomacia Cidadã promove o relacionamento não só por meio de chancelarias, mas também por meio de redes da sociedade civil, exercendo a democracia participativa dentro e fora dos Estados, sem restringir a construção de propostas de políticas sociais ao nível governamental, ambiental, migratória, podendo articular, assim, as mais variadas formas e temas da vida democrática.
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* Ronald Wilson é Secretário Técnico das Mesas Temáticas com a Sociedade Civil do Senado do Chile e conselheiro da Fundação Cidadã para o Consumo Responsável (FCCR).