De acordo com o embaixador Nicolai Prytz, a Dinamarca tem a Lei Climática mais ambiciosa do mundo, que prevê cortes de 70% das emissões de gases, até 2030, além de outras iniciativas. O país é o maior produtor de petróleo na Europa, depois do Reino Unido. “Temos muitas reservas. Vamos honrar nossos contratos até 2050, depois não teremos nada de exploração ou mais leilões de petróleo na Dinamarca”, afirmou o embaixador. A seu ver, o futuro é outro.
O país nórdico espera não mais depender do petróleo e pretende também acabar com os subsídios para o setor. “Não tem nada de graça, a gente ganha dinheiro sim com o petróleo e gás, mas temos outras fontes e estamos conscientes de que é preciso deixar de explorar o petróleo. Estamos fazendo uma aliança com outros países nesse sentido”, adianta o embaixador da Dinamarca no Brasil, Nicolai Prytz. Veja sua entrevista exclusiva no Diplomacia Business, onde fala também sobre outros assuntos, como a guerra da Rússia e Ucrânia, energia eólica e Covid-19.
Diplomacia Business: Como está a Covid na Dinamarca?
Embaixador da Dinamarca no Brasil, Nicolai Prytz: A Dinamarca foi o primeiro país que acabou com todas as restrições em função da Covid, em fevereiro deste ano, mas tudo baseado na ciência e em como está o sistema de saúde, diminuindo os casos de mortes e os casos gerais mais leves. Os números são baixos. Está tranquilo. Fomos um dos países economicamente menos prejudicados. Na Dinamarca, uma das características é que há consciência social de cada um. O cidadão está consciente de que deve não só se proteger, mas proteger o vizinho, o que influenciou muito no caso da Covid. De uma forma geral, estamos muito conscientes.
Atualmente a porcentagem de mulheres dinamarquesas que trabalham fora de casa é uma das mais altas do mundo e há centenas de dinamarquesas atuando na política. Como tem sido essa construção do empoderamento da mulher dinamarquesa?
Embaixador Nicolai Prytz: A sociedade dinamarquesa fez conquistas importantíssimas como um todo. E é uma coisa contínua. Mas há muito ainda a se fazer. Somos um país pequeno, com 5,8 milhões de habitantes. É superimportante criar condições para a mulher se integrar ainda mais na vida profissional e em todos os níveis. Nossa segunda ministra é mulher. No parlamento, 40 por cento dos eleitos são mulheres.
Borgen, a série que já se encontra em sua 4ª temporada, sobre a trajetória da primeira-ministra da Dinamarca, Birgitte Nyborg, tem sido muito apreciada no Brasil e no mundo. O sr. assistiu à série?
Embaixador Nicolai Prytz: Vi a série há 10 anos. Surpreendeu-me tanto interesse por ela agora no Brasil e no exterior. É muito bem feita. Muitos dos temas que a série retrata são reais. Vários seriados dinamarqueses ganharam prêmios, fama e têm qualidade muito boa.
O que o sr. acha da interpretação da atriz Sidse Babett Knudsen representando a primeira-ministra Birgitte Nyborg?
Embaixador Nicolai Prytz: A atriz é muito boa. Convincente. Muitas vezes, tem-se a impressão de que mulheres em posição importante são parecidas com homens. Mas a personagem central da série é muito feminina. Mostra o que tem a oferecer. Poderiam ter escolhido uma personagem com caráter mais duro, tipo masculino, mas não. Ela causa muita empatia.
Qual tem sido a política da Dinamarca para os refugiados? Quantos são hoje e como estão sendo recebidos?
Embaixador Nicolai Prytz: A questão dos refugiados de um modo geral é um tema enorme na Europa, principalmente desde a guerra na Síria. Um tema sempre presente. Trabalhei na Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados). Na Dinamarca, levantamos muitas questões ligadas aos refugiados, o que nos fez repensar um sistema mais justo para eles. Como melhor se gastar com eles, por exemplo. São refugiados fugindo da perseguição política ou só buscando novos horizontes? São milhões de pessoas chegando, o que não é nada agradável. A Dinamarca está acolhendo sim refugiados da Ucrânia. A solidariedade está no nosso DNA.
O sr. acompanhou a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021, a COP 26, na Dinamarca e Escócia, em outubro último? Qual avaliação o sr. faz da COP 26?
Embaixador Nicolai Prytz: É um trabalho contínuo. A COP 26 lançou várias iniciativas. Durante décadas, a Dinamarca apostou muito na energia celular e na eficiência energética. Começamos apostar nesses setores nos anos 70, com a crise do petróleo, quando percebemos que éramos muito dependentes dele. Resolvemos apostar na energia eólica, um projeto que nasceu com os hippies, na Dinamarca. Tem toda essa história. Inicialmente, ninguém acreditava, mas não é mais hippie. E tomamos medidas.
Adotamos há dois anos a Lei Climática mais ambiciosa do mundo para cortar 70% das emissões de gases, até 2030, além de outras iniciativas. A Dinamarca é o maior produtor de petróleo na Europa, depois do Reino Unido. Temos muitas reservas. Vamos honrar nossos contratos até 2050, depois não teremos nada de exploração de petróleo na Dinamarca, nem mais leilões de petróleo. A gente reconhece que o futuro é outro. Nosso país não vai mais depender do petróleo e vamos acabar com os subsídios para o setor.
Não tem nada de graça, a gente ganha dinheiro sim com o petróleo e gás, mas temos outras fontes e estamos conscientes de que é preciso deixar de explorar o petróleo. Estamos fazendo uma aliança com outros países nesse sentido, a Beyond Oil & Gas Alliance (BOGA).
Estamos conscientes que alguns países vão depender socioeconomicamente dessa indústria do petróleo. Quem cabe nessa aliança é quem já reconhece que o gás não faz parte do futuro. É uma aliança pragmática porque reconhece como é o mundo. Também queremos acabar com os combustíveis fósseis no transporte marítimo. Em 2050, deve acabar na Dinamarca. Já estão fabricando navios de containers só com energias renováveis.
Atualmente, mais de um terço da produção de eletricidade dinamarquesa vêm de turbinas eólicas. No ano passado, o sr. assinou acordo de cooperação com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para desenvolver no Brasil a energia eólica offshore, a recuperação energética de resíduos e a transição energética. Como está a implementação deste acordo?
Embaixador Nicolai Prytz: É um desafio. O acordo é com a Aneel e o Ministério das Minas e Energia. O Brasil fez esforço para diversificar mais, mas continua dependente de energia. A energia eólica ultramar é um desafio importante. O Brasil tem condições muito boas para utilizar a energia eólica, como ventos fortes e constantes, numa mesma direção. São condições fantásticas.
O marco regulatório para esse setor tem que ser atrativo, transparente, oferecer segurança jurídica e retorno. Na Dinamarca, muitas empresas do setor trabalham com investimentos do fundo de pensão. Estamos colocando à disposição nossas experiências nessa área, trocando ideias com o lado brasileiro para ver como se pode construir um marco regulatório atrativo. É um setor que requer investimentos, não só público, mas também privado. Como construir um setor atrativo… Requer muito investimento, requer setor privado.
Como estão as relações comerciais entre o Brasil e a Dinamarca?
Embaixador Nicolai Prytz: As maiores empresas de exportações dinamarquesas são do setor farmacêutico e de aparelhos médicos. Temos empresas farmacêuticas muito grandes. Atuam muito no setor de diabetes, antidepressivos. Contribuem para a economia brasileira. A gente produz principalmente em Minas Gerais. Do Brasil, compramos soja, soja, soja; e um pouco de café.
Andar de bicicleta é tradição na Dinamarca. O sr. e a família andam de bicicleta em Brasília?
Embaixador Nicolai Prytz: Eu ando de bicicleta por esporte, com um grupo de 50 pessoas, que faz pedal, às 6h. Brasília é um lugar excelente, mas não tem um sistema completo para andar de bicicleta. Na Dinamarca é difícil existir uma rua em que não se anda de bicicleta. Aqui tem opções como o Parque da Cidade, Jardim Botânico, há espaço para pedalar.
Como o sr. analisa a guerra entre a Rússia e a Ucrânia?
Embaixador Nicolai Prytz: É complicado, sendo europeu, é muito triste. Faz lembrar a época em que honestamente pensávamos que já tínhamos deixado para atrás. A Ucrânia é um país reconhecido por todos. É triste. Não consigo ver as consequências potenciais que essa guerra pode deixar, ou se alguém vai conseguir conversar para cessar fogo. Além das pessoas que estão morrendo, são 2,6 milhões de refugiados e vão ter mais refugiados. Além dessa turbulência em outras regiões, o impacto econômico influencia negativamente na vida das pessoas, até no Brasil. Impacta em todos os sentidos. Se fosse uma coisa limitada, somente entre os dois países, já seria sempre triste, mas é uma coisa enorme, com impactos de instabilidade e econômicos.
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