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Em sua visita ao Brasil no ínício desta semana, o presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, chegou ao Brasil em uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB) para uma reunião com o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro.
Umaro Sissoco Embaló, chamado pelo presidente brasileiro de “Bolsonaro da África”, é general e desde sua posse, em 2020, é criticado pela oposição por sua gestão autoritária. Presidente guineense diz que Brasil tem “tudo o que Guiné-Bissau precisa nesse momento”.
Guiné-Bissau, assim como Angola, Brasil, Cabo Verde, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe integram a CPLP, que ainda conta com o Timor-Leste e Guiné Equatorial.
O presidente guineense reforçou que seu país pode ser a porta de entrada para negócios do Brasil na África.
Após uma reunião, os dois presidentes fizeram uma declaração conjunta e prometeram aprofundar a colaboração entre os dois países. Bolsonaro também disse que pretende visitar a Guiné-Bissau assim que possível.
Importância e objetivos da CPLP
Para esclarecer a importância e os objetivos, bem como o papel do Brasil de Bolsonaro na comunidade, a Sputnik Brasil falou com o professor de Relações Internacionais do Departamento de Ciência Política da Universidade do Minho José Palmeira.
José Palmeira explica que a Comunidade de Países de Língua Portuguesa é uma organização que tem objetivos de caráter político, econômico e cultural.
Do ponto de vista político, seu principal objetivo é fazer com que os países de língua portuguesa possam desenvolver estratégias conjuntas nas instâncias internacionais, e também através da cooperação promover o próprio desenvolvimento interno dos Estados-membros.
Segundo o professor, no caso do Brasil e da Guiné-Bissau, que é o assunto que hoje é objeto de comentário, a Guiné-Bissau é um país que precisa de ajuda, sobretudo tendo em vista sua estabilidade política interna.
Parceiros africanos e cooperação com o Brasil
A Guiné-Bissau é um país da África Ocidental, região que tem alguns problemas, sobretudo ao nível do tráfico de estupefacientes na rota entre a América Latina e a Europa, há várias questões de segurança que se levantam sobretudo no espaço marítimo, e a Guiné-Bissau é um país que desse ponto de vista tem sido muitas vezes acusado de não desenvolver as ações necessárias para impedir que esse tráfico se processe.
“Eu diria que a ajuda político-militar do Brasil seria, ou será fundamental, dado que o próprio Brasil se situa em uma área onde muitas vezes está próxima da origem deste tráfico. Nesse sentido, a cooperação entre os dois países é bastante importante”, afirmou.
A Guiné-Bissau dispõe de uma grande instabilidade política interna, enfrentando problemas entre o presidente da República e o governo e, portanto, é uma situação que exige primeiramente que o próprio país supere estas dificuldades.
O professor também recordou que o presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, esteve recentemente na Guiné-Bissau para discutir esta questão para que o país africano possa encontrar estabilidade interna ao nível de suas instituições políticas.
“No caso do Brasil, é verdade que o Brasil não tem demonstrado grande empenho na CPLP, estando mais concentrado nas questões internas, ou do ponto de vista externo valoriza sobretudo a sua ligação aos BRICS, por exemplo. Ou então, como aconteceu nos tempos do Lula da Silva, uma cooperação mais Sul-Sul, e aí sim, países como a Guiné-Bissau poderiam ser mais beneficiados […]”, ressaltou.
Contudo, atualmente, segundo o professor, o Brasil não tem seguido esta orientação, indicando que da parte do Brasil há outros países com os quais estaria mais interessado em cooperar no domínio da CPLP, como é o caso de Portugal, que é um país da União Europeia, e, “por o Brasil ser um país do Mercosul, estando interessado que a UE e o Mercosul aprofundem seu relacionamento”.
Também Angola, que é um país que tem outro potencial e também é uma potência regional, no caso da África Austral, e o Brasil terá certamente outro interesse na cooperação com Angola.
Além disso, a Angola é um país que tem potencial ao nível de produção petrolífera, fazendo parte da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).
Em termos gerais, eu diria a CPLP tem, sobretudo, desenvolvido seu componente político e cultural e tem tido também uma cooperação significativa no domínio da defesa. Aliás, a cooperação no domínio da defesa tem sido considerada exemplar, segundo o professor, ressaltando o auxílio de Portugal e Brasil na defesa da Guiné-Bissau.
“Países como Portugal e o Brasil têm prestado auxílio na formação de quadros e também a nível de ajuda aos equipamentos, sobretudo das marinhas […] são fundamentais para a segurança do comércio internacional de mercadorias, e os países africanos de língua portuguesa têm extensas áreas marítimas sob sua jurisdição, mas nem sempre tem os meios necessários para proceder a essa fiscalização”, indicou.
“Eu diria que para a CPLP ter relevância no plano internacional e na geopolítica global precisa do Brasil e, portanto, só um Brasil empenhado em potencializar as capacidades da CPLP é que terá condições para que isso se materialize”, enfatizou o especialista.
A CPLP marca presença nos diferentes oceanos, no Atlântico, onde é mais forte, com os países africanos, o Brasil e Portugal, como no Índico com Moçambique, no Pacífico com Timor-Leste, sendo uma organização de caráter intercontinental, e por isso “é fundamental uma cooperação, sobretudo com os países que têm menor potencial, como é o caso de Timor [Leste] e Moçambique”.
“Eu diria que os nove Estados-membros da CPLP são um mosaico com características diferentes, dos quais se destacam o Brasil, Angola e Portugal […], destacou José Palmeira, ressaltando que, com exceção de Cabo Verde, os demais membros enfrentam dificuldades de caráter econômico-social.
“O apoio de países mais desenvolvidos, como o Brasil, é fundamental, e é necessário que haja empenho e investimentos por parte Brasil na CPLP”, observou.
Áreas de cooperação mais relevantes
De acordo com o professor, a CPLP valoriza a área cultural, principalmente os assuntos referentes à língua portuguesa, e por isso países como Brasil e Portugal têm investido na língua portuguesa, ajudando no ensino do idioma nos países africanos e no Timor-Leste.
Esta ajuda ocorre através do envio de professores, livros e investimentos realizados por Portugal em transmissões de televisão específicas à África e comunidades internacionais.
“O Brasil tem um elevado o potencial nesse domínio e, portanto, países como a Guiné-Bissau podem beneficiar bastante da ajuda que tanto o Brasil quanto Portugal têm dado a nível de cooperação cultural”, ressaltou.
O professor também fez questão de recordar que diversos países da CPLP estão integrados em outras organizações regionais, fazendo com que a língua portuguesa também seja língua oficial dessas organizações e, além disso, “o português deverá, em breve, tornar-se língua oficial nas Nações Unidas”.
Além da cooperação a nível cultural, os países lusófonos estão interessados em desenvolver a economia, com uma cooperação econômica “que beneficie seus Estados-membros”.
“É da cooperação econômica que hoje em dia resulta o desenvolvimento dos países e também o seu maior protagonismo na cena internacional. Portanto, países como o Brasil têm a capacidade de ajudar decisivamente os países em desenvolvimento […] Não apenas de uma forma bilateral, mas também mobilizando a ajuda das organizações internacionais […]”, explicou.
Papel da pandemia no âmbito da CPLP
De acordo com José Palmeira, não há dúvida que isso afete os países de forma transversal, sobretudo aqueles que têm mais dificuldades de acesso à vacina. Os países africanos de língua portuguesa, incluindo a Guiné-Bissau, estão carentes de ajuda nesse domínio.
Nessa questão, “o Brasil e Portugal podem desempenhar um papel fundamental, por exemplo, Portugal já tem canalizado algumas vacinas para os países africanos de língua portuguesa”, destacou.
“Neste momento, é essencial que os países industrializados procurem ajudar os países em desenvolvimento, uma vez que isso, além do aspecto humanitário, é também uma forma dos próprios países industrializados se protegerem”, afirmou.
“A emergência humanitária se sobrepõe a tudo. No domínio do combate à pandemia, a ajuda dos países industrializados é fundamental a países como é o caso da Guiné-Bissau”, concluiu.
Publicado originalmente por Felipe Camargo e Polina Balashova no Sputnik