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Por Iam Bremmer*
Depois que manifestantes invadiram o Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro, algumas das instituições mais poderosas da América entraram em ação para punir os líderes da insurreição fracassada. Mas eles não eram o que esperávamos que fossem. O Facebook e o Twitter suspenderam as contas do presidente Donald Trump por postar elogios aos manifestantes. Amazon, Apple e Google efetivamente baniram Parler, uma mídia social que se apresentava como alternativa ao Twitter – usada pelos apoiadores de Trump para encorajar e coordenar o ataque – bloqueando seu acesso a serviços de hospedagem na web e lojas de aplicativos. Os principais aplicativos de serviços financeiros, como PayPal e Stripe, pararam de processar pagamentos para a campanha de Trump e contas que financiavam despesas de viagem dos apoiadores de Trump até a capital Washington.
A velocidade das reações dessas empresas de tecnologia contrasta fortemente com a fraca resposta das instituições governamentais dos Estados Unidos. As agências de aplicação da lei conseguiram prender alguns manifestantes individuais, mas em muitos casos apenas seguindo as pistas que deixaram nas redes sociais sobre seu envolvimento na invasão.
Os Estados têm sido os principais atores nos assuntos globais há quase 400 anos. Isso está começando a mudar, à medida que um punhado de grandes empresas de tecnologia rivaliza com elas pela influência geopolítica. As consequências dos distúrbios de 6 de janeiro são a prova mais recente de que Amazon, Apple, Facebook, Google e Twitter não são mais apenas grandes empresas: elas assumiram o controle de aspectos da sociedade, da economia e da segurança nacional que há muito eram domínio exclusivo do Estado. O mesmo vale para empresas chinesas de tecnologia, como Alibaba, ByteDance e Tencent. Atores não-estatais estão cada vez mais moldando a geopolítica, liderados por empresas de tecnologia. Embora a Europa queira entrar no jogo, suas empresas não têm tamanho ou influência geopolítica para competir com suas contrapartes americanas e chinesas.
A maior parte da análise da competição tecnológica entre os Estados Unidos e a China, entretanto, está presa a um paradigma estatista. Representa empresas de tecnologia como soldados rasos em um conflito entre países hostis. Mas as empresas de tecnologia não são meras ferramentas nas mãos dos governos. Nenhuma de suas ações imediatamente após o levante do Capitólio, por exemplo, veio a mando do governo ou da polícia. Foram decisões privadas tomadas por empresas com fins lucrativos que detinham poder sobre seus próprios códigos, servidores e regulamentos. Essas empresas, cada vez mais, estão moldando o ambiente global em que os governos operam. Elas exercem grande influência sobre as tecnologias e serviços que irão impulsionar a próxima revolução industrial, determinar como os países projetam o poder econômico e militar, moldam o futuro do trabalho e redefinem os contratos sociais.
É hora de começar a ver as maiores empresas de tecnologia, as chamadas big techs, com poderes semelhantes aos de um Estado. Elas exercem uma forma de soberania sobre um domínio em rápida expansão que se estende além do alcance dos reguladores: o espaço digital. Assim, contribuem com recursos para a competição geopolítica, mas enfrentam limitações em seu poder de ação. Mantêm relações externas e respondem aos acionistas, funcionários, usuários e anunciantes.
Cientistas políticos contam com uma ampla gama de termos para classificar os governos: há “democracias”, “autocracias” e “regimes híbridos”, combinando elementos de ambos. Mas eles não têm ferramentas apropriadas para entender as grandes tecnologias. É hora de começarem a desenvolvê-las, pois nem todas as empresas de tecnologia operam da mesma forma. Embora as big techs, como os países, resistam a classificações ordenadas, há três forças gerais que impulsionam suas posturas geopolíticas e visões de mundo: globalismo, nacionalismo e tecno-utopismo.
Essas categorias iluminam as escolhas que as principais empresas de tecnologia enfrentam enquanto trabalham para moldar os negócios globais. Viveremos em um mundo onde a Internet está cada vez mais fragmentada e as empresas de tecnologia atendem aos interesses e objetivos dos Estados em que estão sediadas, ou a Big Tech retirará decisivamente o controle do espaço digital dos governos, libertando-se das fronteiras – nacionais e emergentes como uma força verdadeiramente global? Ou será que a era do governo estatal finalmente chegará ao fim, suplantada por uma elite tecnológica que assume a responsabilidade de fornecer os bens públicos que antes eram fornecidos pelos governos? Os analistas formuladores de políticas e o público fariam bem em compreender as perspectivas concorrentes que determinam como esses novos atores geopolíticos exercem seu poder, porque a interação entre eles definirá a vida econômica, social e política do século XXI.
As big techs estão observando você
Para entender como a luta pela influência geopolítica se desenrolará entre as empresas de tecnologia e os governos, é importante entender a natureza do poder dessas empresas. As ferramentas à sua disposição são únicas nos assuntos globais, e é por isso que os governos têm tanta dificuldade em controlá-las. Aunque esta no es la primera vez que las corporaciones privadas han jugado un papel importante en la geopolítica, considere la Compañía de las Indias Orientales y las grandes petroleras, por ejemplo, los gigantes anteriores nunca pudieron igualar la presencia global omnipresente de las empresas de tecnología de hoje. Uma coisa é exercer poder nas salas enfumaçadas dos mediadores do poder político; outra é afetar diretamente os meios de subsistência, relacionamentos,a segurança e até mesmo os padrões de pensamento de bilhões de pessoas em todo o mundo.
As maiores empresas de tecnologia de hoje têm duas vantagens críticas que lhes permitiram forjar uma influência geopolítica independente. Primeiro, eles não operam ou exercem poder exclusivamente no espaço físico. Eles criaram uma nova dimensão na geopolítica, o espaço digital, sobre o qual exercem uma influência primária. Um número crescente de pessoas está vivendo suas vidas neste vasto território, que os governos não dominam e não podem controlar totalmente.
As implicações desse fato afetam praticamente todos os aspectos da vida cívica, econômica e privada. Em muitas democracias, a capacidade dos políticos de ganhar seguidores em redes sociais como Facebook e Twitter potencioliza o dinheiro e o apoio político necessários para conquistar um cargo. É por isso que as ações das empresas de tecnologia para derrubar Trump após os distúrbios no Capitólio foram tão poderosas. Para uma nova geração de empreendedores, o mercado da Amazon e os serviços de hospedagem na web, a loja de aplicativos da Apple, as ferramentas de segmentação de anúncios do Facebook e o mecanismo de busca do Google se tornaram indispensáveis para o lançamento de um negócio de sucesso. A Big Tech está transformando as relações humanas. Na sua vida privada, cada vez mais as pessoas estão se conectando por meio de algoritmos.
As empresas de tecnologia não estão apenas exercendo uma forma de soberania sobre como os cidadãos se comportam nas plataformas digitais; também estão moldando comportamentos e interações. As notificações do Facebook enviam resultados de dopamina para o seu cérebro, os algoritmos de inteligência artificial (IA) do Google completam frases à medida que você digita e os métodos da Amazon para selecionar quais produtos aparecem no topo da tela de pesquisa afetam o que você compra. Dessa maneira, as empresas de tecnologia estão orientando como as pessoas gastam seu tempo, quais oportunidades sociais e de carreira elas buscam e, em última análise, o que pensam. Esse poder crescerá à medida que as instituições sociais, econômicas e políticas continuarem a fazer a transição do mundo físico para o digital.
A segunda diferença entre essas empresas de tecnologia e suas predecessoras é que elas oferecem cada vez mais o espectro completo de produtos digitais e do mundo real necessários para administrar uma sociedade moderna. Embora as empresas privadas há muito tempo tenham desempenhado um papel importante no atendimento às necessidades básicas, de medicina a energia, a economia de digitalização rápida de hoje depende de uma gama mais complexa de fluxos de bens, serviços e informações. Atualmente, apenas quatro empresas (Alibaba, Amazon, Google e Microsoft) atendem à maior parte da demanda global por serviços em nuvem, a infraestrutura de computação essencial que tem mantido as pessoas trabalhando e as crianças aprendendo durante a pandemia de Covid. A competitividade futura das indústrias tradicionais dependerá da eficácia com que elas aproveitam as novas oportunidades criadas pelas redes 5G, IA e implementações em massa da Internet das Coisas (IoT). Empresas de Internet e provedores de serviços financeiros já contam com a infraestrutura fornecida por esses líderes de serviçoa de nuvem. Em breve, o mesmo acontecerá com empresas de automóveis, linhas de montagem e até cidades inteiras.
Além de possuir o mecanismo de busca líder mundial e o sistema operacional para smartphones mais popular, a empresa controladora do Google, a Alphabet, está se aventurando na área de saúde, desenvolvimento de medicamentos e veículos autônomos. A extensa rede de comércio eletrônico e logística da Amazon fornece bens de consumo básicos para milhões de pessoas. Na China, Alibaba e Tencent dominam os sistemas de pagamento, mídia social, streaming de vídeo, comércio eletrônico e logística. Eles também estão investindo em projetos importantes para o governo chinês, como a Rota da Sede Digital, que visa trazer cabos submarinos, redes de telecomunicações, recursos de nuvem e aplicativos necessários para administrar uma sociedade digital aos mercados emergentes.
As empresas de tecnologia do setor privado também fornecem segurança nacional, uma função que tradicionalmente era reservada pelos governos a empreiteiros de defesa. Quando os hackers russos violaram agências governamentais e empresas privadas dos Estados Unidos no ano passado, foi a Microsoft, e não a Agência de Segurança Nacional ou o Comando Cibernético dos Estados Unidos, que descobriu o que estava aconrecendo e revelou os invasores. Claro, as empresas privadas há muito apoiam as metas de segurança nacional. Antes que os maiores bancos se tornassem “grandes demais para falir”, essa frase foi aplicada à empresa de defesa americana Lockheed Corporation – a atualmente Lockheed Martin – durante a Guerra Fria. Atualmente a Lockheed fabrica caças e mísseis para o governo dos Estados Unidos, embora não opere a Força Aérea, é ela quem ajuda a monitorar os céus. Isso explifica como as maiores empresas de tecnologia estão construindo a espinha dorsal do mundo digital e policiando o mundo ao mesmo tempo.
O eclipse do Estado-nação pelas grandes tecnologias não é inevitável. Os governos estão tomando medidas para domar uma esfera digital em constante mudança. A China, por exemplo, regulou o Alibaba e no seu controlador, o Ant Group, impedindo o que teria sido uma das maiores ofertas públicas iniciais do mundo. Alem disso, há tentativas da União Europeia de regulamentar dados pessoais, inteligência artificial e grandes empresas de tecnologia que define como “guardiões” digitais; os numerosos projetos de lei antitruste apresentados na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos. Também vale citar a pressão constante da Índia sobre empresas estrangeiras de mídia social. Ou seja, a indústria de tecnologia está enfrentando uma reação política e regulatória em várias frentes.
Controle X dependência
Além disso, as empresas de tecnologia não podem se desligar do espaço físico, onde ficam à mercê dos Estados. O código para os mundos virtuais que essas empresas criaram está em data centers localizados em territórios controlados pelo governo. Essas empresas estão sujeitas às leis nacionais. Se as violarem, podem ser multadas ou sujeitos a outras penalidades, seus sites podem ser bloqueados e seus executivos, presos.
Mas, à medida que a tecnologia se torna mais sofisticada, os Estados e reguladores são cada vez mais limitados por leis desatualizadas e capacidade limitada de operação. O espaço digital está em constante crescimento. O Facebook agora tem quase três bilhões de usuários ativos por mês. O Google relata que mais de 1 bilhão de horas de vídeo são consumidas todos os dias no YouTube, sua plataforma de streaming de vídeo. Em 2020, mais de 64 bilhões de terabytes de informações digitais foram criados e armazenados, o suficiente para preencher cerca de 500 bilhões de smartphones.
Em sua próxima fase, essa “esfera de dados” verá carros, fábricas e cidades inteiras conectadas com sensores ligados à Internet trocando dados o tempo todo. À medida que este reino cresce, a capacidade de controlá-lo fica fora do alcance dos Estados. Como as empresas de tecnologia fornecem bens e serviços digitais e importantes do mundo real, os Estados que não podem fornecer essas coisas correm o risco de dar um tiro no pé se suas medidas draconianas levarem as empresas a interromper as operações.
Os governos há muito implantam sistemas sofisticados para monitorar o espaço digital: a China criou o chamado Grande Firewall para controlar as informações que seus cidadãos veem e as agências de espionagem dos EUA estabeleceram o sistema de vigilância em camadas para monitorar as comunicações globais. Porém, esses sistemas não podem controlar tudo. Multas por não remover conteúdo ilegal são um incômodo para as empresas, não uma ameaça existencial. E os governos percebem que podem sabotar sua própria legitimidade se forem longe demais. A possibilidade de uma reação popular é uma das razões pelas quais é improvável que até o presidente russo, Vladimir Putin, vá tão longe quanto Pequim para restringir o acesso dos cidadãos à internet global.
Isso não quer dizer que a Big Tech seja muito apreciada. Mesmo antes da pandemia, pesquisas de opinião pública mostraram que o que antes era o setor mais admirado dos EUA estava perdendo popularidade entre os americanos. A maioria dos cidadãos é a favorável a regulamentações mais rígidas para grandes empresas de tecnologia, conforme mostrou uma pesquisa Gallup de fevereiro de 2021. A confiança global nessas empresas, especialmente as empresas de mídia social, também foi duramente atingida durante a pandemia, indica o relatório Trust Barometer, publicado anualmente pela Edelman, uma consultoria de relações públicas.
Ser duro com as grandes empresas de tecnologias seja uma das poucas coisas sobre as quais democratas e republicanos concordam, o fato de que ainda não houve uma grande repressão é revelador. Nos Estados Unidos, uma combinação de disfunção do Congresso e o potente poder de lobby do Vale do Silício provavelmente continuará a impedir novas regulamentações que podem representar uma séria ameaça aos gigantes digitais. É diferente na Europa, onde a ausência de uma forte nuvem local, pesquisa e grandes conglomerados de mídia social facilita a aprovação de legislações ambiciosas. Algo bem diferente do que acontece na China, onde uma recente rodada de medidas regulatórias abalou as ações dos pesos pesados da tecnologia do país.
Tanto em Bruxelas quanto em Pequim os políticos estão tentando canalizar o poder das maiores empresas de tecnologia em busca de prioridades nacionais. Contudo, a nuvem, a inteligência artificial e outras tecnologias emergentes colaboram para se tornarem ainda mais importantes para a subsistência das pessoas e a capacidade dos Estados de atender às necessidades básicas de seus povos. Por isso, os políticos não têm certeza de que terão sucesso.
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Esta é a primeira parte do texto publicado originalmente na revista Foreign Affairs. A segunfa pode ser lida aqui
* Iam Bremmer é cientista político especializado em política externa dos EUA, estados em transição e risco político global. Preside o Eurasia Group, empresa de consultoria e pesquisa de risco político fundada em 1998 e com escritórios em Nova York, Washington, Londres, Tóquio, São Paulo, São Francisco, Brasília e Cingapura.