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Criada em 1999 pela Rainha Silvia da Suécia, a Childhood Brasil faz parte da World Childhood Foundation (Childhood), instituição com escritórios na Suécia, na Alemanha e nos Estados Unidos. A organização é certificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).
Com uma atuação multidisciplinar, a Childhood Brasil tem como diretora executiva, Laís Peretto, entrevistada pelo Diplomacia Business. Ela comenta que o abuso e a exploração sexual de crianças são evitáveis. Mas é preciso o envolvimento de todos. “Gosto de lembrar de um ditado antigo que diz: é preciso uma aldeia inteira para cuidar de uma criança. E nós, todos nós, somos a aldeia nesse momento”.
Laís Peretto destaca que o mundo digital também é um espaço para violações de direitos humanos, incluindo violências sexuais. “Os desafios que se apresentam são grandes, mas temos uma convicção: apenas trabalhando juntos na luta contra os perigos do mundo digital teremos sucesso”, comenta. Veja a entrevista:
São mais de 20 anos de atuação da Childhood Brasil. Que balanço a sra. faz dessas duas décadas de atuação?
Diretora executiva da Childhood Brasil, Laís Peretto – A Childhood Brasil nasceu há 20 anos para enfrentar o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes. Ao longo dessa trajetória, conseguimos colocar a causa em evidência e contribuir para o engajamento de governos, empresas, outras ONGs e a sociedade. Aos poucos o tema deixa de ser um tabu, mas os desafios continuam intensos. Com uma atuação multidisciplinar, estamos conseguindo mostrar que todas as crianças podem se tornar vítimas de abuso sexual. Que ideias estereotipadas de vítimas e agressores precisam ser diferenciadas, reduzindo o estigma para incentivar as crianças a revelar, identificar casos de abuso e a reagir de maneira eficaz.
Os adultos devem assumir a responsabilidade de criar um ambiente onde as crianças se sintam seguras para revelar um abuso. Devem ter a coragem de procurar, questionar, ouvir e responder às crianças que sofreram violência ou abuso sexual. Buscamos mostrar, nesses últimos anos, que o abuso e a exploração sexual de crianças são evitáveis. Mas é preciso o envolvimento de todos! Gosto de lembrar de um ditado antigo que diz: é preciso uma aldeia inteira para cuidar de uma criança. E nós, todos nós, somos a aldeia nesse momento.
Como a Childhood mobiliza e conscientiza a sociedade para apoiar crianças e adolescentes em risco?
Laís Peretto – Atuamos em três frentes que operam de forma simultânea e complementar: advocacy, assessoria e engajamento. Já desenvolvemos e apoiamos projetos que vêm transformando a realidade da infância brasileira vulnerável à violência, dando visibilidade e dimensão ao problema, implantando soluções efetivas adotadas por setores empresariais, serviços públicos e educando a sociedade em geral.
As ações de prevenção são fundamentais. Quanto mais qualificadas forem as informações que nossas crianças e jovens tiverem sobre o tema, maiores são as chances de evitarmos que essas violências sejam praticadas. Campanhas informativas, livros, filmes, séries, entre outros, são ferramentas muito importantes nesse sentido. Os projetos “Crescer Sem Violência” e a série “Que Corpo É Esse?”, em parceria com a TV Futura, também funcionam como ferramentas eficazes para ajudar no enfrentamento da violência sexual. Já produzimos mais de 25 episódios que abordam, através do entretenimento, variados temas de proteção à infância. Sempre com uma linguagem acessível ao público e informativa.
Outro ponto importante é combater a revitimização. Temos atuado junto ao Ministério da Justiça na articulação de um fluxo único de atendimento às vítimas e testemunhas de violações de Direitos Humanos. Uma medida extremamente necessária para padronizar todos os atendimentos, trazer maior confiabilidade para as pessoas que procuram o sistema de proteção e um guia de como todos os atores da rede de proteção – como educadores, profissionais da saúde, integrantes do judiciário e agentes de segurança – devem atuar de forma articulada.
Ainda reforçamos, em todas as nossas frentes, a importância da denúncia. Segundo o artigo 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a população deve fazer uma denúncia no caso de suspeita ou confirmação de violações de direitos humanos de crianças e adolescentes, de qualquer tipo, incluindo a violência sexual (abuso ou exploração sexual). A criança e o adolescente têm de entender que eles não são os culpados. O adulto é que tem o dever de protegê-lo/a e a violência só terá a chance de cessar se e quando for relatado o que está acontecendo.
No caso de um adulto, a orientação é para que denuncie qualquer suspeita de que uma criança ou adolescente está sendo vítima de violências. Os canais mais adequados são o Disque 100, 180, o APP Direitos Humanos BR e a delegacia On-Line. Uma criança ou adolescente que sofrer uma violência deve pedir por socorro, seja com um adulto de confiança ou denunciando pelos canais já citados. No nosso site, temos uma lista completa com o passo a passo para denunciar.
Já são mais de 3 milhões de pessoas beneficiadas – crianças e adolescentes, seus familiares e profissionais de diferentes setores – pela Childhood Brasil. Quais foram os tipos de atendimentos mais feitos e em quais localidades?
Laís Peretto – A Childhood Brasil não atua no atendimento direto de crianças e adolescentes. A organização desenvolve programas e projetos voltados para o enfrentamento da violência sexual de crianças e adolescentes junto a empresas, governos e a sociedade civil. Mas, reforço novamente aqui importância da denúncia em caso de suspeita ou confirmação de violações de direitos humanos de crianças e adolescentes, de qualquer tipo. Ainda é um tabu falar de violência sexual de crianças e adolescentes, e acreditamos que é nosso papel como organização, que luta contra isso há mais de 20 anos, é e levar o assunto para a ‘rua’. É preciso falar do que está acontecendo e poder orientar pais, cuidadores e as crianças e, assim, mudarmos esta realidade.
Quais são as prioridades da Childhood para este ano?
Laís Peretto – Dar cada vez mais luz à causa e debater aos novos comportamentos da sociedade. Vou dar um exemplo: uma criança que nasceu em 1999, mesmo ano da fundação da nossa entidade, provavelmente só na adolescência foi inserida no mundo de sites, games, redes sociais. O ambiente digital acessível é essencial para alcançarmos os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e cumprir nossa promessa de não deixar ninguém para trás. No entanto, o mundo digital também é um espaço para violações de direitos humanos, incluindo violências sexuais. Os desafios que se apresentam são grandes, mas temos uma convicção: apenas trabalhando juntos na luta contra os perigos do mundo digital teremos sucesso.
Destacaria ainda que nossa atuação nos últimos anos permitiu a formulação de diversas leis de proteção à infância. É o caso da lei 13.431/2017, em que colaboramos e que estabelece novos parâmetros para a escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, em especial a violência sexual. Ela assegura que as vítimas ou testemunhas sejam ouvidas apenas uma única vez e em um local adequado, acabando com a prática de terem de relatar o mesmo caso oito, nove e até dez vezes ao longo do processo legal. Apenas em 2021, com a atuação intensa da Childhood Brasil, foi inaugurado o primeiro Complexo de Escuta Protegida do Brasil para criar um ambiente seguro, com profissionais capacitados, para a escuta especializada. O projeto realizado em Vitória da Conquista (BA) precisa ser expandido cada vez mais para outros municípios.
Quais são os principais os projetos da instituição?
Laís Peretto – Os projetos e programas que abrangem a nossa atuação são:
– Na Mão Certa: unimos empresas e caminhoneiros para enfrentar a exploração sexual de crianças e adolescentes nas rodovias e hidrovias brasileiras.
– Depoimento Especial: atuação para mudanças estruturais e culturais no atendimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência sexual no âmbito do Judiciário e dos serviços de atendimento, promovendo a escuta protegida.
– Proteção em rede: contribuímos para a formulação e o fortalecimento de políticas públicas na prevenção e no enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes nos municípios brasileiros, como, por exemplo, o projeto Crescer Sem Violência.
– Programa Grande Empreendimentos: atuamos para prevenir a exploração sexual de crianças e adolescentes no entorno de grandes empreendimentos, por meio da mobilização de governos, empresas e sociedade civil.
– Turismo: trabalhamos junto ao setor de turismo para engajar diferentes atores na proteção de crianças e adolescentes, seja no segmento hoteleiro ou de grandes eventos.
A cada cinco anos, a Childhood Brasil realiza uma pesquisa com caminhoneiros de diversos estados brasileiros. Quais são os resultados dessas pesquisas e quando será feita a próxima?
Laís Peretto – Em 2015, a Childhood Brasil divulgou a terceira edição da pesquisa “O Perfil do Caminhoneiro no Brasil”, um estudo sequencial de 10 anos (2005 e 2010). O principal resultado após 10 anos é a redução do relato sobre a experiência de sexo pago com menores de 18 anos. A análise dos dados mostrou que o envolvimento dos trabalhadores do transporte rodoviário de cargas com a ESCA é situacional, moldado por variáveis pessoais (crenças), contextuais (influência do grupo social) e culturais (naturalização da situação).
Em relação à exploração sexual de crianças e adolescentes, houve redução significativa no envolvimento dos caminhoneiros: 87,3% dos entrevistados afirmaram que nunca se envolveram em relação de comércio sexual com crianças ou adolescentes. Em 2010, esse número era de 82,1% e, em 2005, de 63,2%. Os resultados da próxima edição da pesquisa estão sendo finalizados e serão apresentados ainda neste semestre.
Como é feita a avaliação dos trabalhos da Childhood Brasil e onde fica a sede física da instituição?
Laís Peretto – A sede física da organização fica na cidade de São Paulo.
Perfil
Laís Peretto, diretora executiva da Childhood, executiva com experiência de 25 anos no mercado financeiro majoritariamente na indústria de Private Banking de grandes bancos. Em 2020, Laís Peretto assumiu a diretoria-executiva da Childhood Brasil. Laís atuou na área de Educação por nove anos antes de migrar para o mercado financeiro. É formada em Administração de Empresas e Pedagogia pela Universidade Mackenzie. Fez curso de extensão em Negócios Internacionais na Universidade da California (Irvine) e MBA pelo Ibmec, atual Insper.