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Bolat Nussupov é o embaixador da República do Cazaquistão no Brasil desde março deste ano. Antes disso, chefiou a missão diplomática cazaque na Alemanha, além de ter ocupado altos cargos no governo do seu país. Também acumula as funções de embaixador não residente na Argentina, no Uruguai e no Chile.
O diplomata tem trabalhado ativamente para o estreitamento dos laços entre os dois países, fazendo visitas a vários estados na busca de novas parcerias. Também se reuniu com diversos parlamentares em Brasília e importantes associações de empresários, como a FIESP e a Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Em entrevista ao Diplomacia Business, ele revela os potenciais do seu país e os projetos de integração bilateral com o Brasil.
Diplomacia Business: Nos últimos 30 anos, muita coisa mudou nos países que pertenciam à URSS. Como o Cazaquistão mudou desde então?
Embaixador Bolat Nussupov: Este ano o Cazaquistão comemora o 30º aniversário de sua independência. Nosso país é o herdeiro da notável civilização nômade da Grande Estepe, da qual surgiram numerosas formações de estado de Sakas e Hunos, o Kaganato turco, a Horda de Ouro e o Canato Cazaque, fundada em 1465. Depois de 260 anos fazendo parte do império czarista e da União Soviética, o país recuperou sua independência em 16 de dezembro de 1991.
Hoje em dia, o Cazaquistão é a economia líder da Ásia Central, primeiro em termos de comércio exterior e atração de investimentos. Durante as três últimas décadas o país aumentou sua economia 21 vezes e atraiu cerca de US$ 370 bilhões em investimentos estrangeiros de mais de 120 países do mundo. Na verdade, o Cazaquistão atraiu 70% de todos os investimentos da Ásia Central. Tendo aumentado 16 vezes desde a independência, o PIB do país ultrapassa US$ 180 bilhões, o que representa mais da metade do PIB da região da Ásia Central.
No que diz respeito à sociedade, o Cazaquistão é o lar de aproximadamente 140 grupos étnicos diferentes e 18 denominações religiosas que vivem em paz e harmonia. A Assembleia do Povo do Cazaquistão, criada em 1995, desempenha um papel importante na formação de um modelo único de unidade social no país. A cada três anos, a capital Nursultan hospeda o Congresso de Líderes de Religiões Mundiais e Tradicionais, oferecendo um fórum para líderes religiosos discutirem os principais problemas enfrentados pelas comunidades em todo o mundo.
Além disso, o Cazaquistão contribui permanentemente com os esforços internacionais de fortalecimento da segurança global e regional, solução de crises, diálogo intercultural e desenvolvimento sustentável. O país convocou a Conferência sobre Medidas de Interação e Fortalecimento da Confiança na Ásia (CICA), que agora consiste em 27 países. Somos um participante ativo de projetos regionais, sendo co-fundador da Organização de Cooperação de Xangai (SCO) e do Conselho de Cooperação dos Estados de Língua Turca (CCTS). Além disso, deve-se observar que o Cazaquistão se tornou o primeiro país da Ásia Central a ser eleito membro não permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas para 2017-2018.
Este ano, o Cazaquistão marca o 30º aniversário do fechamento do local de teste nuclear de Semipalatinsk – o primeiro e maior local de teste nuclear da União Soviética. Em 2009, a Assembleia Geral da ONU aceitou por unanimidade uma resolução apresentada pelo Cazaquistão proclamando 29 de agosto – quando um decreto sobre o fechamento do local de testes de Semipalatinsk foi assinado, como o “Dia Internacional contra os Testes Nucleares”.
Como o maior país sem litoral do mundo, estrategicamente localizado entre a Europa e a Ásia, o Cazaquistão é uma parte fundamental do desenvolvimento da Nova Rota da Seda. A promoção do potencial de trânsito e transporte, garantindo a conectividade de nosso país e da região com o mundo, é uma das principais prioridades econômicas estrangeiras do Cazaquistão. Lançado em 2018, o Astana International Financial Centre foi projetado para servir como um centro financeiro regional para a Belt & Road Initiative, com base na lei consuetudinária inglesa.
No geral, após o sucesso alcançado ao longo dos anos de independência, o Cazaquistão se tornou um estado regional influente, respeitado por sua contribuição significativa aos esforços internacionais para formar uma zona de vizinhança e segurança na Eurásia.
Como estão as relações bilaterais entre o Brasil e o Cazaquistão?
Embaixador Bolat Nussupov: O Brasil é um parceiro estratégico do Cazaquistão na América do Sul. Foi um dos primeiros países a reconhecer a independência do Cazaquistão, em dezembro de 1991, sendo que as relações diplomáticas entre os países foram estabelecidas em setembro de 1993. A cooperação Cazaquistão-Brasil é determinada pelos acordos alcançados após os resultados de visitas bilaterais de Estado do mais alto nível em 2007 e 2009. Como resultado de visitas mútuas de ambas as delegações, em 2006 foi inaugurada a embaixada do Brasil no Cazaquistão, em Nursultan. Já em 2012, abrimos a embaixada do Cazaquistão em Brasília.
O diálogo político também é apoiado pelo mecanismo de consultas interministeriais. Em particular, em 30 de julho de 2021, a quarta rodada de consultas políticas foi realizada online devido à pandemia do coronavírus. Os Ministérios das Relações Exteriores do Cazaquistão e do Brasil analisaram detalhadamente todo o espectro das relações bilaterais políticas, comerciais, econômicas, culturais e humanitárias, bem como a interação em um formato multilateral, especialmente no âmbito de organismos internacionais como a ONU, OMC , OMS, UNESCO e outros.
Vemos um grande potencial em nossas relações, que ainda não foi totalmente explorado, principalmente no campo da economia e do comércio. São esses os que vou trabalhar.
O senhor visitou diversos estados do Brasil este ano. O que pode o que se espera dessas novas pontes que vêm sendo construídas?
Embaixador Bolat Nussupov: Em abril, no início de minha missão diplomática no Brasil, tive um encontro online com o governador do Amazonas, Wilson Lima. Também me encontrei com Rui Costa, governador do importante pólo industrial e agrícola que é a Bahia. A empresa Bahia Mineração, está implementando um projeto de minério de ferro. A empresa é uma subsidiária do Eurasian Resource Group, da qual 40% pertence ao Governo do Cazaquistão.
Além disso, em maio me encontrei com o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, com a participação dos ministros regionais da Agricultura e do Desenvolvimento Econômico. Em viagem de trabalho a Santa Catarina em setembro, conversei com o prefeito de Balneário Camboriú, Fabrício Oliveira, e com o presidente da Federação das Indústrias, Mário César de Aguiar.
No Rio de Janeiro, encontrei-me com o vice-governador Nicola Moreira Miccione. Foi uma conversa frutífera, onde traçamos planos futuros de cooperação. Em novembro vamos inaugurar no Rio de Janeiro nosso primeiro Consulado Honorário do Brasil.
Durante as reuniões, as partes apreciaram as perspectivas de construção da cooperação bilateral e expressaram esperança no desenvolvimento de laços inter-regionais com a participação de empresas líderes do Cazaquistão e do Brasil.
Como resultado de minhas visitas, pela primeira vez na história das relações bilaterais, as regiões do Cazaquistão e do Brasil estabeleceram relações de geminação com a cerimônia de assinatura de um memorando para o fortalecimento dos laços de amizade e cooperação entre a região de Karaganda e o estado da Bahia. O documento prevê o fortalecimento e a expansão da cooperação comercial e econômica, a implementação de projetos conjuntos de investimento, bem como o desenvolvimento das relações no campo da cultura, educação e turismo. A visita da delegação oficial da Bahia chefiada pelo governador Rui Costa, que levou representantes do meio empresarial baiano à região de Nursultan e Karaganda, ocorreu entre 19 e 22 de outubro.
Recentemente, o senhor teve encontros com alguns ministros brasileiros, trabalhando em parcerias para novos programas, especialmente em educação, ciência e tecnologia. Qual foi o resultado dessas reuniões?
Embaixador Bolat Nussupov: O Cazaquistão considera o Brasil um parceiro estratégico na América do Sul. O diálogo político e a cooperação comercial e econômica estão se desenvolvendo ativamente. O ponto principal é continuar nessa direção e levar os indicadores ao próximo nível. A embaixada depende do desenvolvimento do comércio mútuo e da atração de investimentos para a economia nacional do Cazaquistão.
Além disso, estamos trabalhando no desenvolvimento da interação cultural e humanitária, bem como da cooperação científica e educacional, para enfatizar a importância da cooperação internacional para o desenvolvimento e das parcerias no setor da educação em particular.
Como parte da comemoração do 30º aniversário da Independência da República do Cazaquistão, cremos ser de extrema importância promover a cultura e a imagem do país, familiarizar o Brasil com as conquistas do Cazaquistão.
Além disso, existe um grande potencial para a cooperação na área da agricultura, especialmente no desenvolvimento da ciência e na implementação de projetos conjuntos de investimento.
Considerando a semelhança nas naturezas multiconfessional e multicultural de nossos países, a experiência do Brasil na construção da paz na sociedade, também na política religiosa, é de particular interesse para nós. Nesse sentido, a embaixada trabalhará no estabelecimento de cooperação entre as instituições da política religiosa de nossos países, além de envolver o Brasil no diálogo das lideranças das religiões tradicionais e mundiais no âmbito do Congresso Internacional, realizado na capital do Cazaquistão a cada três anos.
No início deste ano, o Brasil e o Cazaquistão formaram um Conselho Empresarial. Como isso afeta o comércio entre as duas nações?
Embaixador Bolat Nussupov: O Brasil é um importante parceiro comercial do Cazaquistão. O aumento dos volumes de comércio e expansão da gama de produtos é uma das principais prioridades da cooperação entre os dois países. Nos últimos anos, houve uma intensificação das relações comerciais e econômicas. O volume dobrou em 2019, na comparação com o mesmo período de 2018 e atingiu US $ 306,7 milhões. Este ano, por causa da pandemia de coronavírus, o comércio bilateral diminuiu para US $ 109,7 milhões. O principal produto exportado do Cazaquistão para o Brasil é o enxofre. Além disso, a empresa nacional Kazatomprom fornece urânio para as necessidades da indústria nuclear brasileira.
O Cazaquistão pode ser considerado uma “ponte” para os produtos brasileiros que conecta os grandes e crescentes mercados da China e do Sul da Ásia e os da Rússia e da Europa Ocidental por rodovias, ferrovias e um porto no Mar Cáspio.
Temos interesse em desenvolver cooperação com o Brasil no setor de mineração, considerando o potencial e a experiência de nossos países. As principais mineradoras do Cazaquistão, como Qazgeology e Tau-Ken Samruk, estão dispostas a implementar projetos conjuntos com a empresa brasileira Vale. Em setembro de 2019, no Rio de Janeiro, foram realizadas negociações entre os representantes da Qazgeology e a administração da Vale, resultando na assinatura de um Memorando de Cooperação Mútua, que fixou a intenção das partes de explorar as minas de ferro, cobre e níquel do Cazaquistão.
Como mencionei anteriormente, a empresa Bahia Mineração, subsidiária da ERG, da qual o governo do Cazaquistão é sócio, está implementando o complexo de produção de minério de ferro no município baiano de Caetité. O investimento total da ERG no complexo é de US $ 1,5 bilhão.
Além disso, existe um grande potencial para a cooperação no campo da agricultura, especialmente no desenvolvimento da ciência e na implementação de projetos conjuntos de investimento. Em fevereiro de 2019, foi realizada a assinatura remota do Memorando de Entendimento entre o Centro Científico Agrário Nacional do Cazaquistão (NASEC) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), com o objetivo de desenvolver a cooperação na área da agropecuária. Em março de 2019, a vice-Ministra da Agricultura do Cazaquistão, Gulmira Issayeva, atual presidente do NASEC, visitou o Brasil para negociar com a liderança do Ministério da Agricultura e empresas locais. Na ocasião, certificados veterinários para importação de pedigree e pecuária ao Cazaquistão foram acordados e assinados.
Estamos concentrando nossos esforços na promoção de laços comerciais, bem como no estabelecimento de cooperação de investimento. Para ampliar esses laços, antes de tudo, devemos preparar uma base institucional. Isso inclui a criação de um Grupo de Trabalho Intergovernamental sobre Comércio e Cooperação Econômica, que pode ser chefiado por Ministros de Relações Exteriores ou da Economia.
Esse Grupo de Trabalho fornece interação efetiva entre empresas e governos de dois países em nível internacional, dentro do qual as partes consideram propostas e questões para melhorar as relações econômicas estrangeiras.
No dia 26 de agosto, por iniciativa da nossa embaixada, foi criado o Conselho Empresarial Cazaquistão-Brasil sob a co-presidência do Centro de Indústria e Exportação do Cazaquistão (QazIndustry) e da Confederação Nacional da Indústria do Brasil (CNI).
O objetivo do Conselho Empresarial é ampliar os laços econômicos entre os dois países por meio do desenvolvimento de contatos comerciais e da cooperação mutuamente benéfica entre o Cazaquistão e empresários brasileiros.
O Conselho incluirá as empresas líderes dos dois países e pode se tornar uma plataforma ativa e uma força motriz poderosa para aumentar o comércio, capaz de fortalecer a cooperação em investimentos entre os dois países. A implantação desse mecanismo, que permite dar um poderoso impulso a todo o leque da cooperação bilateral comercial, econômica e de investimentos, é um acontecimento histórico para as relações entre o Cazaquistão e o Brasil. A primeira reunião do Conselho Empresarial está marcada para novembro de 2021, às vésperas do Fórum Empresarial Cazaque-Brasileiro.