Vesak, a tradição budista que se difundiu no Sul e Sudeste da Ásia é também comemorada em Brasília. É sempre durante a lua cheia, em maio, quando ocorreram três fatos relevantes na vida de Buda: nascimento, iluminação e falecimento. “Quando você participa da cerimônia, vê as luzes que representam a sabedoria, a compaixão do Buda. Nessa cerimônia é importante a gente poder refletir sobre a luz do Buda que ilumina a escuridão que pode reinar em nossa vida”, explica o monge Keizo Doi, dirigente do templo Terra Pura.
Japonês de Hiroshima, radicado no Brasil, o monge Keizo Doi, de 34 anos, tem a sabedoria de seus ancestrais e dos monges asiáticos. Em entrevista ao Diplomacia Business, ele fala sobre o sofrimento, a saúde e a velhice, a juventude, as ilusões e a religião budista. Diz que nada na nossa vida é permanente.
“Do ponto de vista budista, ao se iludir de que sua intenção tem de se realizar, é que começa a aflição, o sofrimento. Sua vida não flui como você quer. Você quer preservar sua beleza, a qualidade da sua saúde, tudo…, mas o tempo não ouve sua intenção”, explica o monge Keizo Doi. A seu ver, o vento da impermanência não escolhe o objeto para soprar. “Viver iludido, acreditando que algo permanece, pode causar sofrimento, e no momento que você não espera”.
Segundo o monge Keizo Doi, os ensinamentos de Buda existem para te levar ao outro lado do rio de forma mais segura possível. Essa é a proposta do budismo em relação à paz. E a paz então não é aquilo que alguém lhe traz, mas que você cria dentro de você. Veja a entrevista completa abaixo:
O sr. nasceu em Hiroshima, no Japão. Como foi sua vinda para o Brasil e depois para Brasília?
Monge Keizo Doi – A vida da flor nasce onde a semente cai. A decisão não é escolha livre. Se perguntarmos para a flor porque motivo está aí, ela não sabe responder. Se perguntarmos para o viajante porque motivo ele viaja, ele também não vai saber. A decisão de trabalhar no Brasil também não foi uma escolha livre. Tem um autor japonês que responde à pergunta: porque você está viajando? Ele responde é porque ouvi um tambor batendo de longe. Eu também estou ouvindo o tambor e quando me dei conta estava no Brasil.
Nasci em Hiroshima, onde vivi até os 18 anos. Fui para Kyoto estudar, onde estive até os 25 anos. Estudei Letras. Depois fui para São Paulo, onde fiquei quatro anos e viajava a trabalho para comunidades japonesas. Uma vez fui ao Pará para fazer uma cerimônia comemorativa à data de imigração e conheci aquela floresta linda, que me encantou. Tentei viver no Pará, mas desisti de morar lá. Fui para o Rio de Janeiro, onde fui responsável pelo templo e dava aulas de japonês.
Como foi a sua formação para se tornar monge e o que é preciso para ser um monge?
Monge Keizo Doi – Eu encontrei o budismo aos 14 anos. Entrei em um colégio budista e depois entrei em uma universidade budista. Aos 16 anos, fui ordenado na escola. Nossa escola observa um conjunto de princípios. Normalmente para ser ordenado monge tem de observar esses princípios. São 250 preceitos estabelecidos na época do Buda. Nossa escola não segue todos esses preceitos. É preciso estar ligado a um templo, estudar, passar na prova para entrar no treino de ordenação.
De onde veio esse despertar? Veio da sua família?
Monge Keizo Doi – Fiquei interessado ao ouvir uma monja falando sobre aquele atentado do dia 11 de setembro, que derrubou as torres gêmeas, e o então presidente George Busch declarou guerra ao terrorismo. Eu era um menino de 14 anos, que acreditava que a guerra acabasse, com a guerra ao terrorismo, mas ao ver a monja em um programa de tv, ela disse que neste mundo ódio jamais vence o ódio. Então para mim essa guerra declarada pelo então presidente Bush não daria fim ao terrorismo. Pelo contrário, traria continuidade. Essa inversão de pensamentos me levou a estudar budismo.
No Japão, quem é ordenado em qualquer escola budista normalmente é filho de monge budista. É a pessoa que nasce no templo e desde criança é preparada. Estudava com essas pessoas.
Quantas pessoas frequentam o templo budista da Asa Sul e o que mais procuram nesta casa?
Monge Keizo Doi – O templo oferece diversas atividades, como artes marciais, cursos de Ikebana e cursos culturais. São 10 modalidades de artes marciais, praticadas por 150 alunos. Não são muitas pessoas que entram no templo em busca do ensinamento. São entre 30 a 40 pessoas, a cada meditação. Entram também por curiosidade para conhecer o budismo ou por busca religiosa quem não foi atendido pelo cristianismo. Cerca de 20 pessoas da comunidade do templo o frequentam todos os dias.
O que o sr. pretende fazer para atrair mais pessoas ao budismo?
Monge Keizo Doi – Este ano, recriamos a associação do templo, a fim de também divulgar as nossas atividades. O associado tem descontos. A associação oferece oportunidades para você atuar, como a cozinha solidária, um trabalho voluntário, se você quiser sair de si mesmo. As massagens também têm desconto para associados. E para se associar é preciso preencher uma ficha e ser aprovado.
O que é preciso para ter paz e evitar pensamentos negativos recorrentes?
Monge Keizo Doi – Sua vida deve ser essencialmente sem ter intenção. Do ponto de vista budista, ao se iludir de que sua intenção tem de se realizar, é que começa a aflição, o sofrimento. Sua vida não flui como você quer. Você quer preservar sua beleza, a qualidade da sua saúde, tudo…, mas o tempo não ouve sua intenção. O vento da impermanência não escolhe o objeto para soprar. Se você mantiver o desejo de preservar o corpo, vai contrariar a lei da impermanência. O que surge, o que é feito é impermanente, nada é permanente.
Viver iludido, acreditando que algo permanece, pode causar sofrimento, e no momento que você não espera. Por exemplo, você perde sua família ou perde a confiança. O caminho do budismo é para atravessar esse rio tão violento de forma mais tranquila possível. Os ensinamentos de Buda existem para te levar ao outro lado do rio de forma mais segura possível. Essa é a proposta do budismo em relação à paz.
E a paz então não é aquilo que alguém lhe traz, mas que você cria dentro de você. Senão, aquela paz é defeituosa, aquela paz é maliciosa. O budismo é considerado religião e o ponto mais diferenciado em comparação a outras religiões é o sentido do olhar. Você procura salvação, libertação no exterior. Salvação é aquilo que Deus traz, talvez problemas também. Aquilo que alguém criou, causou. No Budismo se inverte o olhar para dentro. Libertação depende de você, problema também.
O que é o Vesak? Porque é comemorado em noite de lua cheia?
Monge Keizo Doi – Segundo a tradição budista que se difundiu no Sul e Sudeste da Ásia – Sri Lanka, Tailândia, Laos – na lua cheia no mês de maio ocorreram três fatos relevantes na vida de Buda: nascimento, iluminação e falecimento. Por isso, se comemora o Vesak.
De onde se origina o nome Vesak e o que significa?
Monge Keizo Doi – Significa o dia de lua cheia de maio. Um dia especial. A cerimônia, comemorada internacionalmente, teve origem no Sri Lanka.
Porque é importante celebrar o Vesak?
Monge Keizo Doi – Quando você participa da cerimônia, vê as luzes que representam a sabedoria, a compaixão do Buda. Nessa cerimônia é importante a gente poder refletir sobre a luz do Buda que ilumina a escuridão que pode reinar em nossa vida, a ignorância, não ver a realidade como ela é. Existem caminhos para poder ter visão mais clara, essa luz de Buda.
Qual mensagem o sr. poderia nos deixar?
Monge Keizo Doi – Tenho pensado ainda sobre a pandemia. A pandemia evidenciou que não há distinção entre a vida individual e a coletiva. Porque uma gotícula de saliva de uma pessoa, que mora lá no outro lado do mundo, afeta sua vida definitivamente. A divisão entre vida individual e coletiva é ilusória. O ser humano naturalmente vive coletivamente. Apesar dessa realidade, a solidão nunca desaparece. A solidão que arrasta a pessoa para o alto mar. A gente convive com a solidão, principalmente nas cidades.
Então o que o tempo budista pode oferecer é ser um lugar onde todo mundo pode retornar quando está perdido. Dentro do budismo existe a diversidade de pensamento. Desde o início, existiu o concílio e as cisões, mas, na sabedoria budista não importa a diferença do pensamento. Mesmo tendo pensamentos diferentes, você participa dos rituais. Compartilha com todos uma cerimônia. Isso basta. A comunidade existe, mesmo tendo pensamentos diferentes.
Buda era um príncipe. Até aos 29 anos, vivia em um palácio, abastado, mas um dia percebeu que a velhice atingiria a vida dos jovens. Percebeu que a doença acontece com todos. Viu que toda riqueza dele diante da morte não dizia nada. E com essa percepção largou o palácio. E botou o pé na estrada, com o budismo. A comunidade budista vive esses fatos que acontecem com todos.