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“Diante do atual recrudescimento de tendências protecionistas, o Brasil precisa evidenciar resultados concretos de redução do desmatamento ilegal e prospectar novos mercados promissores no Sudeste Asiático, na África, no Oriente Médio e na Índia”. A opinião é da senadora Kátia Abreu (PP-TO), presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal.
Em entrevista exclusiva ao Diplomacia Business, a senadora destaca que o tema do meio ambiente se tornou um dos eixos centrais da geopolítica mundial. “As principais nações estão voltadas para a mitigação do aquecimento global, a promoção do desenvolvimento sustentável e a transição rumo à chamada “economia verde”, que não é mais uma opção, mas, um imperativo”, comenta.
Kátia Abreu destaca, entre outras questões, que a distribuição dos diplomatas pela rede de postos brasileira no exterior “ainda reflete a geopolítica do século XX ao não levar em consideração o desempenho recente da nossa balança comercial”. E exemplifica: “na França, país que ocupa a 22ª posição no destino de nossas exportações, há 26 diplomatas, enquanto em Cingapura, que registra a 7ª posição, há apenas quatro”.
“É com base na observação pragmática dos dados de comércio que defendo a reavaliação estratégica dos 216 postos (embaixadas, consulados, representações, delegações permanentes e escritórios comerciais) que o Brasil mantém em 134 países. Hoje, os países asiáticos são o destino mais relevante dos produtos brasileiros”, explica a senadora. Veja sua entrevista completa:
Diplomacia Business – Como tem sido o trabalho da sra. na Comissão de Relações Exteriores?
Senadora Kátia Abreu – Intenso, estimulante e gratificante. Fiz um roteiro para identificar as principais linhas do interesse nacional, em compasso com as carências e aspirações do País. O objetivo foi avaliação realista e pragmática das potencialidades e constrangimentos do cenário internacional. Com base nesse roteiro, propus e a Comissão aprovou um Plano de Trabalho que compreende sete eixos estruturantes, sob os quais estão previstas discussões em audiências públicas, eventos e seminários. Tudo isso para ampliar a interlocução com a sociedade civil e garantir a transparência, a racionalidade e a legitimidade do processo de formulação das posições a serem defendidas pelo Brasil no cenário internacional. A prioridade é a participação do Senado na construção de políticas de Estado, suprapartidárias, voltadas para o longo prazo e estruturadas como vetores efetivos de aumento da renda, do emprego e do bem-estar no País.
Em síntese, pode descrever o que foi feito?
Senadora Kátia Abreu: Reuni os principais especialistas do país para debater temas prioritários, como: a sustentabilidade da agricultura brasileira; a revitalização do Mercosul; os acordos internacionais em negociação; a infraestrutura de integração da América do Sul; o Novo Banco do BRICS (NDB, na sigla em inglês) e as possibilidades de financiamento de projetos de infraestrutura física regional, pelo NDB e mediante parcerias estratégicas com outros bancos e instituições de fomento. Neste rumo, procurei explorar o potencial da política externa como vetor de redução das desigualdades regionais, por meio da promoção da economia criativa, um dos setores que tem se comprovado essencial para o crescimento econômico inclusivo ao reduzir as desigualdades e colaborar para o desenvolvimento sustentável.
Foi possível avançar, apesar das limitações impostas pela pandemia?
Senadora Kátia Abreu: Sim, promovi discussões sobre o potencial de internacionalização da gastronomia e do artesanato das cinco regiões do país, como polos de atração do turismo e elementos capazes de contribuir para a melhoria da qualidade de vida de milhares de famílias em áreas carentes. Essas ações foram viabilizadas graças à parceria com instituições que vêm desenvolvendo trabalho da maior importância em prol da educação para o empreendedorismo de pequenos e micro empresários, nomeadamente o Sebrae, a Abase e o Senac.
Teve alguma ação no plano externo?
Senadora Kátia Abreu – Ciente do desconhecimento ou da percepção equivocada dos nossos parceiros comerciais europeus a respeito da agricultura brasileira e dos esforços já empreendidos pelo Brasil em termos de conservação ambiental – questões de importância crucial para o fechamento de acordos comerciais, sobretudo o acordo Mercosul/União Europeia – projetamos no exterior parte de nossos esforços.
Organizamos, no mês de novembro passado, Seminário, em Lisboa, Portugal, em que apresentamos os avanços registrados pela tecnologia desenvolvida pela Embrapa, que resultaram em ganhos de produtividade e na implantação de uma agricultura de baixo carbono no país; o papel reservado ao Brasil como garantia da segurança alimentar mundial; e a economia criativa da região amazônica. Creio que essas e outras ações empreendidas no âmbito da Comissão tiveram importante efeito multiplicador, ao despertarem interesse de público numeroso, em que se incluem os diplomatas brasileiros, que puderam colher subsídios complementares do mais alto nível para sua atuação no exterior em defesa dos interesses nacionais.
Quais os temas de maior urgência?
Senadora Kátia Abreu – O tema do meio ambiente tornou-se um dos eixos centrais da geopolítica mundial. As principais nações estão voltadas para a mitigação do aquecimento global, a promoção do desenvolvimento sustentável e a transição rumo à chamada “economia verde”, que não é mais uma opção, mas, um imperativo. É preciso lembrar que as atenções estiveram voltadas em 2021 para a realização de um dos eventos multilaterais de marcada importância nessa área, a COP-26 da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, em Glasgow. Vimos na COP-26 uma oportunidade para resgatar o protagonismo do Brasil nessa área e a imagem do país como ator confiável e estou convencida de que temos lastro para isso.
Empreendemos esforços no sentido de valorizar as conquistas em matéria de matriz energética limpa (46%), de manutenção da cobertura vegetal (61%) e de agricultura sustentável de baixo carbono, que fazem do Brasil uma potência agro-energético-ambiental. Porém, não deixamos de reconhecer o aumento do desmatamento ilegal e a necessidade de reforçar as ações de comando e controle com vistas a eliminá-lo.
E o comércio exterior?
Senadora Kátia Abreu: A abertura da economia brasileira e o acesso a mercados foram temas muito debatidos. Não há crescimento econômico sem abertura comercial e a questão ambiental é um tema correlato. O desgaste da imagem internacional do nosso país nessa área constitui, hoje, o principal empecilho à ratificação do Acordo de Associação Mercosul-União Europeia. A projeção dos efeitos positivos que poderão advir desse instrumento constitui exemplo contundente da força dos acordos comerciais, outro tema que mereceu atenção da Comissão. Quando entrar em vigor, o acordo proporcionará, no prazo de dez anos, a duplicação da corrente de comércio, passando de US$ 77 bilhões para US$ 154 bilhões e a renda per capita no Brasil saltaria de R$ 35 mil para R$ 50 mil.
Esse é nosso grande objetivo, a criação de emprego e renda para nossa população, e o salto qualitativo das condições de vida, em especial das populações mais carentes, ou seja, promover o desenvolvimento sustentável e inclusivo. A atenção especial atribuída à economia criativa das cinco regiões do País – por meio da valorização do artesanato e da gastronomia, como catalisadores do turismo, mediante seu potencial de internacionalização – insere-se também nesse objetivo.
A sra. já esteve várias vezes em países da Ásia. Como encurtar distâncias do Brasil com esses 50 países, onde se concentra 60% da população do planeta?
Senadora Kátia Abreu – A Ásia tem-se transformado no principal destino das nossas exportações, com perspectiva de crescimento em vista do dinamismo de suas economias e da projeção do aumento populacional na região para 2050 e a consequente demanda por mais alimentos. Nesse sentido, a infraestrutura de integração física regional e logística é elemento fundamental para encurtar as distâncias e aumentar a competitividade dos nossos produtos, sobretudo diante do movimento já claro de redirecionamento dos destinos das nossas exportações para a Ásia.
Os projetos de integração física hidroviária, rodoviária e ferroviária regional em curso merecem atenção especial e devem ser priorizados, a fim de assegurar as condições de uso mais eficientes para o transporte pelos agentes econômicos com segurança e previsibilidade. A título de exemplo, o corredor bioceânico (Brasil, Paraguai, Argentina e Chile), que deverá impulsionar a integração econômica do Brasil à região da Ásia-Pacífico, é relevante para o Centro-Oeste do Brasil, pois melhora a logística regional e nacional, tornando Campo Grande centro logístico da América do Sul e facilitando a distribuição de cargas para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, com redução de tempo e custos de transporte. Para o Cone-sul, espera-se que gere novos fluxos de comércio para o Pacífico e reduza o custo de insumos e produtos intermediários, ampliando a base industrial e incrementando o comércio intrazona. Esses fatores deverão gerar empregos de qualidade e desenvolver o setor de serviços, estimulando a internacionalização de pequenas e médias empresas. O projeto confere ainda as bases logísticas à aproximação entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico.
Quais medidas o Brasil precisa para acelerar as exportações e atrair investimentos externos?
Senadora Kátia Abreu – O Brasil precisa integrar-se ao mundo. O grau de abertura da nossa economia equivale a somente 22% do PIB, menos da metade da média mundial, situada na faixa dos 45%. Para exportar mais é também preciso importar mais. Estivemos à margem dos processos de liberalização comercial nos últimos 25 anos. Em consequência, temos sofrido há anos a falta de acesso a mercados. O Brasil ficou para trás no contexto dos acordos bilaterais e regionais de comércio que foram realizados por vários países, como por exemplo, o Chile, a Colômbia e o Peru. Todos eles têm acordos de livre comércio com os Estados Unidos e com a União Europeia. O Brasil ainda não.
Precisamos buscar aproximação com grandes economias como os EUA, o Japão e o Reino Unido. De grande importância também é o México que, ademais, constitui um eixo importante na aproximação com a Aliança do Pacífico. Precisamos buscar a modernização e o aprofundamento de nossa rede de acordos de facilitação de comércio e de investimentos, tanto no âmbito do Mercosul quanto na esfera bilateral, e impulsionar a conclusão daqueles cujas negociações se encontram em curso.
Precisamos integrar o Mercosul ao mundo, valorizando a posição ímpar do Bloco como pilar da segurança alimentar mundial. Juntos, podemos nos tornar a OPEP dos alimentos. Não se pode perder de vista o deslocamento do eixo da demanda mundial sobretudo por alimentos. O Brasil é um dos poucos países com capacidade para aumentar sua produção de maneira a atender a futura demanda cada vez mais exigente, que decorrerá do aumento da população mundial.
Diante do atual recrudescimento de tendências protecionistas, o Brasil precisa evidenciar resultados concretos de redução do desmatamento ilegal e prospectar novos mercados promissores no Sudeste Asiático, na África, no Oriente Médio e na Índia. Se pretendemos exercer o papel de garantes da segurança alimentar no mundo, um dos principais desafios que enfrentaremos é o da infraestrutura física e logística. Será preciso investir em infraestrutura física e armazenamento, utilizando as melhores soluções em inovação a serem implantadas nos portos e estruturas para fazer escoar rapidamente a produção, caso contrário, poderá acarretar aumento de preços nos alimentos.
Estou segura de que, com mais comércio e maiores investimentos, teremos mais empregos, mais renda e melhores oportunidades para todos. A abertura da economia e a livre concorrência são ações diretrizes essenciais para o crescimento via aumento de produtividade e um dos vetores de inclusão social.
Em recente artigo, a sra. disse que Bangladesh tornou-se um comprador do Brasil mais importante do que Austrália, Dinamarca, Israel e Finlândia – todos juntos. O que estamos vendendo tanto para Bangladesh. Poderia detalhar esse fato?
Senadora Kátia Abreu – Bangladesh apresenta atualmente uma economia de mercado em rápido crescimento. É um dos principais exportadores mundiais de têxteis e vestuário, bem como de peixes, frutos do mar e juta. Além disso, abriga indústrias emergentes competitivas internacionalmente em áreas como construção naval, ciências da vida e tecnologia e tem diminuído substancialmente sua dependência de empréstimos estrangeiros.
O país faz parte dos chamados “próximos onze” identificados pelo Banco de Investimentos Goldman & Sachs como países com grande potencial para figurar entre as maiores economias do mundo junto com os BRICS, com base em fatores como estabilidade macroeconômica, maturidade política, políticas de abertura de comércio e investimento e qualidade de educação.
Creio que esse dinamismo econômico do país explica o aumento da sua participação na nossa pauta exportadora, superando países como Austrália, Israel, Finlândia e Dinamarca, de acordo com dados do Ministério da Economia referentes à série de 2011 a 2020. Nossa pauta exportadora para Bangladesh é composta de açúcares e melaços, algodão bruto, soja, milho, gorduras e óleos vegetais. Exportamos, nesse período da série 2011/2020, o equivalente a U$ 11.6 bilhões para Bangladesh, US$ 5.4 bilhões para Austrália, US$ 4.4 bilhões para Israel, US$ 4.2 bilhões para Finlândia US$ 3.9 bilhões para Dinamarca.
A sra. defende ampliar o nosso corpo diplomático na Ásia, com destaque para a China e a Índia. Seria termos mais embaixadas e diplomatas nesses países? Poderia nos exemplificar?
Senadora Kátia Abreu – Não se trata da abertura de mais representações diplomáticas, mas de buscar meios de reforçar estruturas e redirecionar pessoal para as representações diplomáticas em países onde há comprovadamente potencial de aumento do fluxo das nossas exportações, porém, sem prejuízo da importância dos laços históricos, do atendimento às comunidades brasileiras no exterior e da densidade das relações econômicas de alguns países.
A distribuição dos diplomatas pela rede de postos brasileira no exterior ainda reflete a geopolítica do século XX ao não levar em consideração o desempenho recente da nossa balança comercial. A título de exemplo, na França, país que ocupa a 22ª posição no destino de nossas exportações, há 26 diplomatas, enquanto em Cingapura, que registra a 7ª posição, há apenas 4. É com base na observação pragmática dos dados de comércio que defendo a reavaliação estratégica dos 216 postos (embaixadas, consulados, representações, delegações permanentes e escritórios comerciais) que o Brasil mantém em 134 países. Hoje, os países asiáticos são o destino mais relevante dos produtos brasileiros.
A Ásia absorveu quase metade (49%) das exportações do Brasil no primeiro semestre de 2021. Com 50 países, a região abriga 60% da população e 36% do PIB mundial. Temos 61 representações na Europa, 42 na América do Sul, 37 na África, 29 na Ásia e Oceania, 20 na América do Norte, 15 na América Central e no Caribe e 12 no Oriente Médio e na Ásia Central.
Atualmente, há 254 diplomatas distribuídos nos postos da Europa Ocidental e apenas 115 em postos da Ásia. A disputa por mercado e influência nessa região, onde há sinais de prosperidade, exigirá trabalho intenso de pesquisa de mercado, de inteligência, de preparação de missões comerciais, entre outras atividades, e é preciso dispor de recursos humanos adequados para a execução dessas tarefas.
Acredito ser necessário ampliar nosso corpo diplomático na Ásia, com destaque para a China e a Índia, dois países em franco crescimento econômico, que têm 3 bilhões de consumidores e apresentam uma classe média em expansão, além de movimento migratório expressivo do campo para a cidade.
Poderia nos dar um balanço dos resultados de suas últimas viagens ao exterior: Berlim e Glasgow?
Senadora Kátia Abreu – A visita a Berlim constituiu oportunidade ímpar, na medida em que proporcionou abertura para o diálogo franco e intercâmbio de opiniões com parlamentares e representantes do governo alemão a respeito de temas ambientais, cuja percepção equivocada, têm fundamentado a oposição à ratificação do Acordo Mercosul-União Europeia, como o desmatamento na Amazônia, o projeto de lei sobre licenciamento ambiental, a regularização fundiária e a sustentabilidade da agricultura brasileira.
Esse intercâmbio foi importante para demonstrar aos interlocutores alemães a diversidade de ações empreendidas na área ambiental e de sustentabilidade pelos diversos atores da vida pública brasileira. A visita, que antecedeu a COP-26, permitiu ainda colher subsídios sobre a posição da Alemanha com respeito aos principais temas da agenda de Glasgow, notadamente o financiamento aos países em desenvolvimento e a regulamentação do Artigo 6 do Acordo de Paris. Quanto à COP-26, apesar de a atmosfera no evento ter sido bastante construtiva, a despeito de divergências de posições, as discussões sobre o financiamento climático, elemento fundamental do debate, em Glasgow, conduziram a resultado aquém das necessidades.
Os países desenvolvidos não cumpriram o compromisso de mobilizar US$ 100 bilhões anualmente até 2020 e é preocupante que a nova promessa preveja que a meta seria cumprida apenas em 2023, por meio de Plano de Ação facilitado pelos governos do Canadá e da Alemanha.
E os resultados da Conferência para o Brasil?
Senadora Kátia Abreu – O Brasil, apesar de ter demonstrado comprometimento com a questão ambiental ao apresentar NDC ambiciosa e aderir à Declaração sobre Florestas e Uso da Terra e ao Pacto Global sobre Metano, perdeu a oportunidade de resgatar a credibilidade internacional como ator confiável, ao omitir os atuais índices de desmatamento, o que coloca em dúvida os compromissos assumidos em Glasgow e nos afasta da ratificação do acordo Mercosul/União Europeia. Nosso desafio é reverter isso. Aqui e agora.
Perfil
Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal, Kátia Abreu é formada em Psicologia. Foi a primeira mulher a ocupar a chefia do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e a primeira representante do Tocantins a ocupar um ministério. Foi presidente por três mandatos da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), é ex-deputada-federal e atualmente senadora reeleita pelo Tocantins.
Kátia Abreu nasceu em Goiânia (GO). Aos 15 anos já era professora de uma escola para excepcionais em Goiânia, a Pirilampo. Ficou viúva aos 25 anos com três filhos pequenos. Mudou-se para o Norte de Goiás (hoje Tocantins) para assumir o comando de sua propriedade rural após a morte do marido. Enfrentou grandes desafios, aprendeu a cuidar da fazenda e de seus afazeres e tornou-se a primeira mulher presidente de um sindicato rural no Brasil, em Gurupi. Kátia Abreu criou três filhos sozinha, enquanto se dividia entre o trabalho na fazenda e a militância política.