Formada pelo Instituto Rio Branco, a embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues é presidente da Associação dos Diplomatas Brasileiros (ADB), cargo que exerce desde 2018, cumprindo segundo mandato. Ela é filha do embaixador brasileiro Jayme Azevedo Rodrigues e Celina de Azevedo Branco Rodrigues. Em julho de 1964, seu pai teve a carreira diplomática abreviada pela decretação de aposentadoria compulsória e cassação de seus direitos políticos com base no Ato Institucional nº 1 (AI-1), por se opor ao regime militar.
Maria Celina é carioca, com longa e bem sucedida carreira diplomática no Brasil e no exterior. Trabalhou nas embaixadas do Brasil no Cairo, na Colômbia, em Paris e em Bruxelas. Foi ministra-conselheira e também chefe da Missão Brasil junto às Comunidades Europeias. Ocupou vários cargos no Ministério das Relações Exteriores do Brasil. Foi embaixadora do Brasil na Colômbia, país onde já tinha trabalhado antes.
Em entrevista ao Diplomacia Business, a embaixadora Maria Celina fala sobre a ADB, a PEC 34-2021 e experiências marcantes na carreira como o sequestro de embaixadores na Colômbia, ocasião em que trabalhava na embaixada do Brasil naquele país, além de muitos outros assuntos. Veja a reportagem:
Diplomacia Business – A ADB possui mais de 1.600 filiados e tem 30 anos de existência. Que balanço a sra. faz da associação, desde sua fundação, e quais as prioridades hoje?
Embaixadora Maria Celina de Azevedo Rodrigues – Estou no segundo mandato. Hoje a ADB é mais profissional. Atuamos com mais visibilidade. É um trabalho que demorou anos. Estamos chegando lá. Quanto às prioridades, uma delas é a reforma da carreira.
Uma das preocupações da ADB é com a PEC 34-2021, que se aprovada eximirá de perda de mandato parlamentar designado para chefia de missão diplomática. Como a sra. vê essa questão?
Essa PEC mistura funções do Executivo com as do Legislativo. A independência dos poderes não pode ser violada. Os parlamentares são eleitos para cumprirem suas funções. Não devem ocupar cargos para os quais não estão preparados. São carreiras diferentes para públicos diferentes.
A senhora foi embaixadora do Brasil na Colômbia. Como foi a experiência de viver e representar o Brasil naquele país?
Os colombianos são um povo aberto, acolhedor. Foi uma experiência muito rica. Embora tivesse a questão das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e da minha segurança pessoal. Não fui preparada para andar com seguranças do Exército atrás de mim, mas eu andava com seguranças em Bogotá. Aprendi. Trabalhei na Colômbia em duas ocasiões. Na primeira vez, foi na ocasião que o M-19* sequestrou vários embaixadores durante recepção promovida pela Embaixada da República Dominicana. Eu trabalhava na embaixada do Brasil e aprendi como lidar e negociar em situações excepcionais. Tive uma excelente acolhida na Colômbia. Foi uma experiência enriquecedora. Não tenho o que reclamar. Voltei para Bogotá quando fiz 23 anos de casada, já como Embaixadora.
A senhora assiste a série colombiana “Café com aroma de mulher”?
Sim, assisti toda a série, que é “meio água com açúcar”, mas, com aspectos que me interessaram muito, como a evolução da conservadora sociedade colombiana, a cultura do café, as drogas e o seu potencial de corrupção. Gosto da atuação do ator principal (o cubano William Levy que interpreta o personagem Sebastian Vallejo na série colombiana).
A senhora foi cônsul do Brasil em Paris. Também trabalhou em Bruxelas e no Cairo. Como foram essas experiências?
Conheci muitas comunidades brasileiras no exterior. Muitos “se matando” de trabalhar. São merecedores do meu respeito e do meu apreço. Aterrissam onde não conhecem o idioma nem os costumes. Batalham para melhorar a vida de suas famílias. O Egito me deu uma outra visão de mundo. Quando atravessamos uma rua do Cairo, não é só uma rua, atravessamos muitos séculos de história. É um choque cultural enriquecedor e incrível.
A senhora é filha do embaixador Jayme Azevedo Rodrigues. De que forma seu pai lhe influenciou na carreira diplomática? Que conselhos ele lhe deixou?
Sou filha única entre outros quatro irmãos homens. A princípio, meu pai não queria que eu seguisse a carreira diplomática, porque era um mundo muito machista. Imagine, em 1968, quando as mulheres eram habituadas a ficar em casa e a cuidar dos filhos. Quando eu disse que queria ser diplomata, meu pai durante um final de semana inteiro me falou sobre o machismo na carreira. Diante da minha insistência, tornou-se meu professor, para me ajudar na preparação para o concurso.
Como está o espaço ocupado pelas mulheres hoje na diplomacia brasileira? São quantas diplomatas, e destas quantas são embaixadoras?
O retrato do Itamaraty é um pouco o retrato do Brasil quanto à ocupação pelas mulheres em cargos de importância. É preciso promover mais mulheres e trata-se de um trabalho de longo prazo. A ADB contratou uma empresa para conhecer melhor a identidade do nosso corpo diplomático e o resultado do trabalho deve ser concluído no final deste ano. As últimas estatísticas que tenho indicam que do total de embaixadores brasileiros, apenas 20% são mulheres.**
Existem entidades em outros países, que representam os diplomatas, semelhantes a ADB?
Sim, existem várias outras entidades, na Espanha, em Angola, no Chile…
A ADB realiza ações de cunho social?
Sim, fora da diplomacia, a ADB tem ações interessantes na comunidade. Quando começou a pandemia e as escolas estavam funcionando no modelo remoto, por exemplo, a associação fez um trabalho de reunir equipamentos – notebooks, tablets, telefones celulares – e os doou para as escolas públicas de Brasília. No Dia das Crianças e no Natal, a ADB faz doação de cestas básicas. Há sempre muita sensibilidade, quem quer saber sobre a carreira é sempre tem as portas da ADB abertas.
Que mensagem a sra. gostaria de deixar para as mulheres no mês delas, no mês de março, especialmente para as diplomatas e demais mulheres do Itamaraty e em geral?
Não é fácil ser diplomata mulher. Há imensos desafios. Felizmente, o movimento visando a equidade profissional de gênero vem ganhando cada vez mais força em diversos setores da sociedade, o que tem contribuído para o aumento da presença feminina e, sobretudo, das oportunidades para que ocupem posições de destaque e liderança.
Gostaria de estimular as mulheres que desejam ser diplomatas a conhecer e apreciar essa tradicional carreira de Estado. Representar o Brasil no exterior e poder contribuir para a geração de renda, aumento de postos de trabalho e desenvolvimento do nosso país são motivo de muito orgulho e é justamente esse orgulho que nos move no dia a dia.
*M-19 – Em 1980, o comando do M-19 (Movimento 19 de abril, uma guerrilha urbana, formada por jovens colombianos da classe média) ocupou a embaixada da República Dominicana em Bogotá e fez 60 reféns, entre eles 15 embaixadores, como o embaixador americano Diogo Asencio e o brasileiro Geraldo Nascimento e Silva. Durante dois meses, o M-19 ocupou as páginas da imprensa mundial com esse sequestro e as consequentes negociações, que só se findaram quando o governo colombiano concordou em soltar guerrilheiros presos e pagar um milhão de dólares de resgate.
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Classes | Mulheres | Homens | Total |
MPC – Ministros de 1ª classe (embaixadores) | 41 (20,0%) | 164 (80%) | 205 |
MSC – Ministros de 2ª classe | 47 (19,9%) | 189 (80,1%) | 236 |
C – Conselheiros | 66 (21,6%) | 240 (78,4%) | 306 |
PS – 1º secretários | 86 (26,2%) | 242 (73,8%) | 328 |
SS – 2º secretários | 84 (24,5%) | 259 (75,5%) | 343 |
TS – 3º secretários | 31(26,1%) | 88 (73,9%) | 119 |
Dados de 2017 – Fonte: Depto Pessoal do MRE
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