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Por Hon Stephen Dorrell*
Muitas vezes somos informados de que “as coisas nunca mais serão as mesmas”. Infelizmente, isso raramente é verdade. Em 2009, por exemplo, era lugar comum a ideia que a crise financeira tornava as mudanças inevitáveis. O problema é que “desejável” e “inevitável” não são a mesma coisa – e muitas vezes nem mesmo estão relacionadas.
O crash do mercado certamente chamou a atenção para os pontos fracos do sistema bancário – e não é correto dizer que nenhuma lição foi aprendida. Os gestores e reguladores bancários melhoraram a resiliência das estruturas financeiras e o sistema bancário mostrou-se mais resiliente durante a pandemia de Covid do que anteriormente.
Muitas das causas subjacentes da instabilidade social e política que cresciam antes de 2008 não foram abordadas, e algumas foram exacerbadas, pela resposta política à quebra mundial do mercado.
Longe de tornar a mudança inevitável, em muitos aspectos ele fez o contrário. Concentrou a atenção no combate a incêndios de curto prazo – e permitiu que os formuladores de políticas evitassem enfrentar os desafios da sociedade que continuaram a se desenvolver.
É importante refletir sobre essa falha de política – pois é isso que aconteceu – à medida que desenvolvemos nossos planos de recuperação da pandemia causada pela Covid-19. Há alguma razão para um otimismo cauteloso.
Os primeiros passos do governo Biden certamente não podem ser criticados por serem excessivamente cautelosos, e o novo presidente pode contar com uma significativa boa vontade internacional. A liderança americana é uma influência importante na agenda da comunidade internacional. Mas a ambição e a boa vontade não substituem as escolhas difíceis.
As referências repetidas pelas presidentes dos EUA de John Winthrop, que colocava seu país como uma “cidade brilhante em uma colina” continuam a ser minadas por desafios internos conhecidos, enquanto outras fontes potenciais de liderança política na Europa e além enfrentam suas próprias pressões internas.
Enquanto isso, alguns desafios profundos continuam crescendo. Nas sociedades ocidentais, a tendência de aprofundamento da desigualdade social e aumento da polarização decorre de uma ampla gama de fatores, dos quais apenas alguns resultam de escolhas políticas. Existem agora muitas evidências de que o desenvolvimento da economia digital levou a uma concentração muito maior de riqueza e poder em um pequeno número de mãos, e que essas mesmas tecnologias digitais reduziram a importância do espaço público. Comunidades com ideias semelhantes trocando mensagens de mídia social umas com as outras não é a mesma coisa que discurso público.
Há pouco espaço para dúvidas de que essas tendências para o aumento da polarização foram significativamente exacerbadas pela crise financeira e pela pandemia.
Esses desenvolvimentos apresentam desafios imediatos para os formuladores de políticas. Se eles não forem tratados, há um sério risco de que minem cada vez mais a base de consentimento sobre a qual as sociedades liberais são construídas, bem como proporcionem um terreno fértil para que outras forças políticas se alimentem do desenvolvimento de queixas.
Além disso, ao mesmo tempo em que nossas sociedades enfrentam desafios internos significativos, também enfrentam desafios externos de culturas sociais e políticas que rejeitam seus valores e demonstram sua disposição de assumir riscos com a instabilidade geopolítica para promover seus interesses. A comunidade global só pode prosperar se os países respeitarem suas diferenças e concordarem em viver de acordo com códigos que definem áreas de interesse comum.
É um propósito fundamental da diplomacia fornecer o contexto no qual esses códigos podem ser desenvolvidos – e a necessidade disso nunca foi tão óbvia. O desafio imediato é garantir que a rodada de reuniões internacionais de 2021 demonstre um compromisso com a entrega de mudanças reais.
Obviamente, isso se concentra na COP26 – e no compromisso de atingir, até 2050, Net Zero, conceito que significa neutralizar o balanço entre as emissões e remoções de carbono da atmosfera.
Este não é simplesmente um imperativo ambiental (‘verde’) também é um imperativo de saúde pública – o compromisso associado com a melhoria da qualidade do ar representa 1,6 milhão de mortes evitadas em todo o mundo – e um imperativo econômico porque muitas economias agrícolas simplesmente se tornam insustentáveis se o Net Zero não for alcançado.
Mas os objetivos do processo da COP só serão alcançados se a comunidade internacional demonstrar disposição de abordar outras questões por meio do diálogo entre as nações.
Obviamente, é necessário um fortalecimento significativo da infraestrutura de saúde pública. A experiência com a pandemia de Covid demonstrou a importância de uma vigilância eficaz e de uma intervenção política oportuna. São questões que precisam se refletir na nova agenda internacional.
Contudo, o mais fundamental e o mais difícil, são as duas questões que devem ser abordadas se quisermos garantir que “as coisas nunca mais serão as mesmas”. Primeiramente, precisamos criar estruturas para o desenvolvimento econômico que sejam sustentáveis e inclusivos. Em segundo lugar, reafirmar e nos comprometer novamente com os princípios estabelecidos na Carta das Nações Unidas, que definem a conduta entre as nações.
Um funcionará sem o outro, mas se abordarmos ambos com propósito, podemos “reconstruir melhor” o futuro do planeta.
* Hon Stephen Dorrell é um ex-congressita britânico. O texto foi publicado originalmente na Diplomat Magazine.