A embaixatriz Fabiana Tronenko fala sobre a tradição secular dos bordados ucranianos, em que as moças aprendiam a bordar com fios de ouro e prata. Cada cor tem um significado diferente nesse artesanato tão espetacular. Em entrevista exclusiva ao Diplomacia Business, a embaixatriz, que é brasileira casada com embaixador ucraniano, conta que o Brasil tem a maior comunidade ucraniana da América Latina, cerca de 1 milhão de descendentes, sendo que cerca de 80% deles vivem no Estado do Paraná.
“Sou apaixonada pela Ucrânia e muito agradecida por tudo que ela me ensinou, me permitiu e proporcionou”, diz a embaixatriz. Ela conta que a Ucrânia “é um país belíssimo e tem se desenvolvido muito rapidamente em todos os aspectos”.
A embaixatriz participou ativamente da Revolução Laranja em 2004, onde mesmo grávida, estava no meio da multidão, lutando pela independência do povo ucraniano e levando com o marido panelas de Borscht, preparadas por sogra para os heróis que acampavam na Maydan, mesmo com temperaturas negativas, reivindicando democracia e liberdade para seu povo.
Conheça um pouco desse distante país pelas palavras de quem lá viveu e fincou raízes. A embaixatriz tem uma longa história com a Ucrânia e revela também momentos de fé, de luta e de emoções. A seguir, a entrevista completa.
Diplomacia Business – A sra. é aficionada aos bordados, ao artesanato. Em que os bordados da Ucrânia diferem dos feitos em outros países?
Embaixatriz Fabiana Tronenko – Na minha opinião, o que diferencia a arte dos bordados ucranianos é a sua história, que tem raízes ainda na antiguidade, onde um dos primeiros relatos é do século II A.C. Já no século XI, há informações nas obras dos escritores bizantinos, sobre a primeira escola de bordados ucranianos, fundada pela irmã do Prícipe Volodymyr de Kyiv, na qual as moças aprendiam a bordar com fios de ouro e prata. Durante os séculos, o bordado se tornou tão popular que, na época, cada região tinha a sua referência de cores, modelos, fios e tecidos, o que denominava suas raízes e classe social.
Os bordados são tão presentes, que nas casas dos ucranianos fazem parte da decoração, na forma de ícones, toalhas de mesa, almofadas, roupas de cama, cortinas, ornamentando móveis, caixas de presentes e, na época mais antiga, em baús com detalhes dos bordados talhados em madeira, como presentes às noivas presenteadas com seus enxovais, etc. As cores predominantes nos bordados ucranianos são o vermelho e o preto. O vermelho significa a energia do sol e o amor, já o preto significa a terra fértil da Ucrânia, que garantia a colheita e bem estar dos agricultores.
O branco é símbolo da luz e da espiritualidade, o azul, simboliza a água e o frio, muitas vezes o oposto do vermelho. O amarelo, simboliza a liberdade e a felicidade e o verde, que é o terceiro mais popular depois do vermelho e do preto, simboliza o crescimento da vida, da juventude e da força. Acreditava-se que a camisa bordada com ponto cruz protege as pessoas contra mau olhado e olho gordo. Até hoje, as pessoas têm o hábito de presentear recém-nascidos com esses bordados.
São mais de 130 anos da imigração ucraniana no Brasil. Onde estão esses ucranianos? Quantos são? Porque vieram para o Brasil?
Embaixatriz Fabiana Tronenko – Os primeiros registros oficiais de imigrantes ucranianos no Brasil encontram-se nos arquivos da Ilha das Flores, no Rio de Janeiro e são datados de agosto de 1891, onde se recebiam navios com imigrantes europeus e onde todos passavam pela quarentena. Temos descendentes de ucranianos por todo o Brasil, desde o Oiapoque ao Chuí. O Brasil tem a maior comunidade ucraniana da América Latina, cerca de 1 milhão de descendentes, sendo que cerca de 80% deles vivem no Estado do Paraná. A primeira leva de imigrantes ucranianos veio ao Brasil em busca de trabalho e melhores condições de vida. As outras duas levas foram condicionadas pelas duas guerras mundiais e os ucranianos vieram fugidos de regimes totalitários que ocuparam a Ucrânia e dizimaram seus familiares e amigos.
A sra. já morou na Ucrânia? O que tem a dizer sobre este país? A sra. fala russo? Como se sente morando em Brasília? O que há de especial na cidade?
Embaixatriz Fabiana Tronenko – Sim, já morei na Ucrânia e foi uma das melhores épocas da minha vida! Sou apaixonada pela Ucrânia e muito agradecida por tudo que ela me ensinou, me permitiu e proporcionou. Os maiores presentes da minha vida são dessa terra abençoada, que são meu marido Rostyslav Tronenko, que nasceu na cidade de Sumy e minha filha Mariana Tronenko, que nasceu na cidade de Kyiv, capital da Ucrânia.
É um país belíssimo e tem se desenvolvido muito rapidamente em todos os aspectos! A renovação da sua independência em 1991 foi um marco na vida do povo ucraniano, que rapidamente rumou para o caminho da liberdade e reafirmou o seu desejo de soberania e liberdade. Fico muito feliz de ter podido participar vivamente da Revolução Laranja em 2004, onde mesmo grávida, estava no meio da multidão lutando pela independência do povo ucraniano e levando com meu marido panelas de Borscht, preparadas por minha sogra aos heróis que acampavam na Maydan, mesmo com temperaturas negativas, reivindicando democracia e liberdade para seu povo.
Quanto a falar russo, falo sim. Mas deixei de o praticar a partir do momento em que os russos invadiram a República Autônoma da Crimeia, a cidade de Sebastopol em fevereiro de 2014 e, perpetuando sua agressão armada no Leste da Ucrânia, matando mais de 14 mil ucranianos inocentes. Falava russo apenas com meus amigos, a família do meu marido primava somente pelo ucraniano, sendo que meus sogros e meu marido não abriam mão disso, o que eu sempre achei fantástico! Gostaria de ressaltar a importância de que antes da invasão russa, as pessoas falavam ucraniano e russo sem problemas, era algo natural. Hoje, o povo faz questão de falar somente em ucraniano, a língua oficial do país.
Não posso dizer que sou uma apaixonada por Brasília, acho que aqui somos muito limitados. Gosto de shows, peças teatrais, apresentações, festivais e aqui a oferta é muito pouca. Pra ser bem sincera, só gosto da região da Esplanada dos Ministérios, onde temos as arquiteturas símbolo da cidade, como a Catedral, o Museu Oscar Niemayer, os prédios do Congresso e Senado, acho bem interessante.
Qual a sua relação com a moda? Quando essa paixão teve início?
Embaixatriz Fabiana Tronenko – Sim, sou uma grande apaixonada pelos bordados e moda ucraniana. Isso começou há mais de 20 anos, quando fui com minha falecida sogra, Halyna Andreiyvna, às compras e ela, como uma exímia conhecedora de história, me mostrava as Vyshyvankas e explicava a força de seus bordados e a sua bagagem histórica. Quando minha filha nasceu, meus sogros a presentearam com um traje ucraniano muito lindo e percebi o quanto eles estavam orgulhosos em passar suas tradições à netinha que acabara de nascer. O tamanho foi um pouquinho grande, mas eles se emocionaram muito quando a viram vestida de ucranianinha, presente ofertado por eles com muito carinho.
Sinto que quando estou usando minhas camisas e vestidos bordados, estou elevando ainda mais a força desse povo tão acolhedor, lutador e mesmo que sofrido. É uma forma que eu encontrei de expressar o quanto sou agradecida a Ucrânia por ter me acolhido há mais de 20 anos, permitindo-me representar o seu nome e por representar a primeira-dama do país; como embaixatriz da Ucrânia em Portugal, por quase cinco anos, e embaixatriz da Ucrânia no Brasil, por praticamente 10 anos.
Quais são os designers, modelos e marcas ucranianas de maior projeção?
Embaixatriz Fabiana Tronenko – Uma estilista ucraniana que gosto muito e que conquistou os closets mais estilosos do mundo é Vita Kin. Na sua lista de clientes podemos encontrar Thássia Naves, que é uma queridinha da moda brasileira. Segundo a revista Vogue, a ucraniana Vita Kin possui um ponto de venda no Brasil, o que eu acho um máximo. Ao longo dos anos fui adquirindo meus modelos na Ucrânia e também de uma empresa de bordados de uma família ucraniana aqui no Brasil, a qual tenho muito carinho. A “Adri e Neo bordados”, que fica na colônia Marcelino, região de São José dos Pinhais, Paraná, e faz para mim peças fantásticas e que eu tenho usado com muito orgulho em momentos de festas e solenidades.
Recentemente, trouxe da minha última viagem à Ucrânia, em julho desse ano, alguns vestidos que foram muito elogiados, de tão lindos! Fico feliz porque as pessoas podem se identificar através dos bordados e lembrar muitas vezes dos bordados de suas mamas (mães) e babas (avós).
Em que a moda ucraniana se difere no Brasil? O que essa moda possui de tão especial?
Embaixatriz Fabiana Tronenko – O bordado ucraniano é uma referência para a comunidade ucraniana no Brasil, que o usam como um símbolo de gratidão e patriotismo da terra de seus ancestrais. É um tesouro cultural que ganhou mais força depois da agressão russa contra o povo ucraniano nos últimos anos. Esse amor e orgulho pelo bordado acabou se transformando em uma bandeira, que cada um faz questão de empunhar. Nossos eventos e manifestos têm o bordado como uma característica muito forte e presente! Nos orgulhamos muito disso!
Na minha opinião, a moda acrescenta à individualidade e à identidade das pessoas, demonstrando como cada um quer ser visto e como se expressam na atualidade. Acho que a moda é o que cada um de nós queremos que ela seja. E a comunidade ucraniana no Brasil faz isso com naturalidade, glamour e leveza.
Há mais de um século, as vyshyvankas são história e viram patrimônio comum, especialmente no Paraná. Tenho conhecimento de pessoas que herdaram suas camisas bordadas de suas mães ou avós. Acho isso lindo! Mostra como as raízes ucranianas no Brasil são fortes e pujantes!
Tenho muito orgulho de poder representar os ucranianos e de fazer parte das famílias ucranianas no Brasil, que ao longo desses 10 anos nos abriram suas casas e nos permitiram conhecer suas histórias tão cativantes e por muitas vezes emocionantes. Acho que vale a pena para uma próxima edição, um estudo mais aprofundado sobre os bordados e pinturas que já fazem parte da cultura paranaense como as Pêssankas, ovos pintados à mão com uma técnica fantástica, e também as Petrikivkas, que são trabalhos belíssimos. Acho que vale muito a pena escrever sobre eles.
Qual o momento que mais marcou a senhora na sua trajetória como embaixatriz?
Embaixatriz Fabiana Tronenko – São muitos os momentos que eu poderia mencionar aqui, mas acho que um dos mais marcantes foi durante uma visita de Estado do presidente Yuschenko à Fátima, em Portugal, no qual, depois dele e da primeira-dama Katerina Yuschenko, o reitor do Santuário, já me conhecia e sabia da minha fé, pois já tinha me visto fazer procissão de joelhos, me perguntou se eu gostaria de me aproximar a imagem de Fátima. Quando nos aproximamos, eu e meu marido, coloquei a mão nos pés dela e senti um choque de emoção muito forte, como se ela estivesse me dizendo alguma coisa.
Comecei a chorar e meu marido estava preocupado, pois se tratava de uma visita de um chefe de Estado e eu chorava compulsivamente. O presidente Yuschenko depois se aproximou e disse que sentiu a minha emoção e ficou muito sensibilizado. Graças a Deus, ele é um homem com muita fé e soube entender a grandeza daquele momento. Foi uma ligação minha com Nossa Senhora que carregarei para toda a vida.
Outro grande momento foi fazer parte da delegação oficial das Olimpíadas e Paraolimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro, quando vivi a emoção de cantar por várias vezes, e diariamente o Hino da Ucrânia vendo a bandeira ucraniana sendo hasteada no podium no seu lugar mais alto. Foi muito emocionante. Gritei e torci muito! Ver a equipe paraolímpica ocupar o 3º lugar na colocação geral foi de uma emoção sem fim. A cada jogo, e a cada vitória, o grito Slava Ukraini ecoava nos ginásios!
Na diplomacia, as vezes os trabalhos dos embaixadores aparecem com o tempo e uma emoção que já tivemos já aqui no Brasil, foi o reconhecimento do HOLODOMOR em Portugal pelo Parlamento português. Isso foi resultado do nosso trabalho juntamente com a comunidade de Portugal. Receber a ligação aqui no Brasil do presidente da Associação dos Ucranianos de Portugal agradecendo por essa vitória conjunta, que acabou levando mais de 10 anos para ser concretizado. Quando as pessoas trabalham juntas por amor pela Ucrânia, os resultados são óbvios, certos e garantidos!
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