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Hallacas. Sem elas, não há Natal na Venezuela. Esse típico prato – feito de milho e um guisado de carnes, envolto em folhas de bananeira – tem sabores especiais. Sabores de lembranças de infância, de família, de aconchego. Quem fala sobre as hallacas para o Diplomacia Business é embaixadora da Venezuela no Brasil, Maria Teresa Belandria. Natural de Caracas, desde 2019 ela é reconhecida pelo governo brasileiro como a representante designada por Juan Guaidó para representar seu país em Brasília.
“O Natal na Venezuela é muito familiar. É estar com a família, com a mãe, especialmente”, explica Maria Teresa. As hallacas ocupam espaço primordial nas festas. São feitas à base de milho, com guisado de carnes de boi, porco e frango, cebolas, cebolinha, alho-poró, alho, alcaparras, pimentões, tomate, azeitonas, uvas passas, pimenta doce, vinho, vinagre de vinho, açúcar mascavo, farinha de milho e óleo com urucum, sal e pimenta.
Folhas de bananeira
As hallacas se parecem com a pamonha brasileira, mas são mais incrementadas, envoltas em folhas de bananeiras e cozidas. Acompanham a iguaria a salada de carne de galinha com batatas, o pão de presunto com azeitonas e passas doces, e a torta negra, com frutas maceradas ou doce de mamão verde.
Segundo a embaixadora Belandria, toda a família participa de alguma maneira da confecção do prato. Uns lavando as folhas de bananeiras e outros, geralmente as mães, no guisado. Via de regra os homens se encarregam da enrolação da iguaria. “É toda uma linha de produção”, explica a embaixadora.
O que mais Maria Teresa gostaria neste Natal seria estar com sua família, especialmente sua mãe, e com todos festejar, tomar cerveja e espumante, fazer e comer hallacas. Há cinco anos, ela está distante do país e não pode voltar por questões políticas, num país dividido pelo regime de Nicolás Maduro. Em Brasília, em um apartamento no Plano Piloto, ela fala sobre os Natais em família, a época de infância, onde participava de “patinatas” junto com 50 ou 60 crianças, nas ruas com bicicletas, skates e patins.
Trajetória
Maria Teresa lembra dos tiros de canhão em Caracas, à meia-noite na véspera do Ano Novo, das pessoas comendo lentilhas ou das 12 uvas para dar sorte, ou de quem dava voltas nas quadras, segurando malas, com o intuito de chamar a sorte para viajar no ano vindouro.
Mas ela não tem só de boas memórias. A embaixadora cresceu em uma zona popular, na zona Oeste da capital Caracas, com pessoas simples. Aos 17 anos, mesmo sempre tendo estudado em escolas públicas, começou a trabalhar para poder entrar em uma faculdade particular. Formou-se em Direito, especializando-se em Direito Internacional. Tendo se aprimorado na legislação que envolve finanças, defesa e segurança.
Trabalhou 25 anos como professora e 10 dentro do Exército venezuelano, em áreas como estratégia e geopolítica. Antes de vir para Brasília, em fevereiro de 2019, morou em Washington, nos EUA, onde também fez carreira como professora.
“Um bom diplomata deve ter conhecimentos internacionais e de defesa”, explica. Mesmo estando longe de sua pátria, Maria Teresa se tornou oposição ao regime implementado por Hugo Chavéz e mantido por Nicolás Maduro, que gerou uma crise humanitária no país, forçando milhões de pessoas a fugirem para outros países. Devido à sua formação e preparo, foi convidada pelo líder oposicionista Juan Guaidó a ser diplomata. Acabou sendo designada para o Brasil, um dos primeiros países na América Latina a reconhecer Guaidó como presidente interino da Venezuela.
Operação Acolhida
Logo que chegou ao Brasil, em 2019, Maria Teresa foi para as cidades de Boa Vista e Pacaraima, em Roraima. O objetivo era levar mantimentos e dar retaguarda aos conterrâneos refugiados que tentavam sair da Venezuela. Esse tipo de viagem se repetiu em 2020 e em 2021, muitas vezes enfrentada com dificuldades, noites sem dormir, com conflitos e ouvindo muitas histórias tristes.
“Vi indígenas venezuelanos feridos e mortos”, relata a diplomata. Várias vezes ela acompanhou de perto os desdobramentos das reuniões com os ministérios da Saúde e da Defesa do Brasil para preparar a Operação Acolhida, que presta ajuda humanitária aos venezuelanos que entram em solo brasileiro.
Instituída pelo governo brasileiro em março de 2018, como resposta ao grande fluxo migratório da Venezuela, a Operação possui como pilares Ordenamento da Fronteira, Abrigamento e Interiorização.
Refugiados no Brasil
A falta de intimidade com o português, o preparo da agenda em Brasília para Juan Guiadó, as visitas a outras cidades brasileiras para saber da situação dos venezuelanos, os encontros na diplomacia, com prefeitos municipais, governadores e parlamentares fazem parte da história de Maria Teresa. “Muitas vezes trabalhava sem estrutura, sem equipe”, conta a diplomata.
Aos poucos, as coisas foram mudando. Em 2019, foi reconhecido pelo governo do Brasil o ministro conselheiro Tomás Silva. Posteriormente, agregou-se um representante no Rio de Janeiro e uma em São Paulo. Além disso, há um “Centro de Atenção ao venezuelano” em Roraima. Eles e muitos outros voluntários se uniram em diferentes estados, formando a REDEVEN (Rede de Venezuelanos no Brasil).
A diplomata explica que transita muito bem no meio diplomático e não tem problema em dialogar com adversários. Diz que sua vida e sua estadia no Brasil “dá um bom livro”, pois tem muita história para contar.
O Brasil é o quinto país que abriga mais refugiados venezuelanos. Eles emigram principalmente para a Colômbia, Peru, Chile, Argentina e Equador. “São 6,5 milhões de refugiados da Venezuela, só menos do que os da Síria”, segundo a diplomata. “Primeiro saíram os empresários, os médicos, os engenheiros, os profissionais liberais. Depois, os técnicos, os pedreiros e as classes menos favorecidas”, comenta. “Só em Lima, são 700 mil refugiados venezuelanos”, afirma.