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Por Joe Howe
Professor da University of Lincoln, Inglaterra
Diferente de mercados como o da América Latina, o mercado europeu de energia é bem mais antigo. Em alguns países, os profissionais cresceram ouvindo as histórias do bisavô, do avô e do pai trabalhando na área. Os trabalhadores que seguem esta tradição familiar fazem parte de uma fatia importante de mão de obra especializada que contribui para movimentar a economia local. Portanto, uma das preocupações relatadas pelos entrevistados é a manutenção dos empregos em uma cadeia de produção de energia muito bem estruturada.
Das minas de carvão a energia eólica offshore
Reino Unido – uma das economias mais desenvolvidas do mundo onde dinheiro não é problema e um dos países membros do G20. Como a necessária transição do uso de combustíveis fósseis para fontes renováveis e limpas está sendo encarada na terra do filósofo e economista escocês Adam Smith?
O Reino compreende a Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales, juntos abrigam 68 milhões de pessoas, de acordo com dados do Banco Mundial de 2023. O território tem cerca de 244 mil km quadrados e um clima temperado no qual a maior parte do ano é um lugar frio e chuvoso, característica bem conhecida que já foi tema de poemas e músicas como “A foggy day, in London town…”. Mas, quando se trata de matriz energética, a arte que melhor ajuda a entender esta influente nação que se desenvolveu em um conjunto de ilhas é a literatura.
Quem conhece os clássicos da literatura inglesa dos séculos 18 e 19 está familiarizado com personagens que tiram o sustento de suas famílias das minas de carvão. Por meio da vida dos personagens fica claro como a Primeira Revolução Industrial impactou o cotidiano, sobretudo, dos camponeses quando o carvão usado para aquecer as casas se tornou a principal fonte de energia do país possibilitando desse modo a industrialização da Inglaterra. Os impactos na vida em sociedade da época e no meio ambiente foram significativos.
Quem conhece os clássicos da literatura inglesa dos séculos 18 e 19 está familiarizado com personagens que tiram o sustento de suas famílias das minas de carvão. Por meio da vida dos personagens fica claro como a Primeira Revolução Industrial impactou o cotidiano, sobretudo, dos camponeses quando o carvão usado para aquecer as casas se tornou a principal fonte de energia do país possibilitando desse modo a industrialização da Inglaterra. Os impactos na vida em sociedade da época e no meio ambiente foram significativos.
“Eu acho que o petróleo e o gás parecem estar chegando ao fim de sua vida útil. No Reino Unido, o foco nos próximos cinco anos, até 2030, é não ter hidrocarbonetos gerando energia, ou seja, tudo será gerado por renováveis. Então, o hidrogênio, por exemplo, pode impulsionar de 10 a 15% da nossa geração da energia”, disse.
Historicamente a matriz energética do Reino Unido era baseada principalmente neste recurso natural que existia em abundância na ilha. Sabe-se que desde a chegada dos romanos, no começo do século 1, as pessoas já utilizavam o carvão mineral. A partir de 1698 com o desenvolvimento do motor a vapor, que possibilitou drenar a água dos constantes alagamentos que aconteciam nas minas, a exploração de camadas subterrâneas mais ricas ainda cresceu. Quase dois séculos depois, o carvão usado como combustível para máquinas a vapor e outros tipos de motores representava mais de 90% da fonte de energia utilizada na Inglaterra na segunda metade do século XIX, segundo o livro Energy and the English Industrial Revolution de E. A. Wrigley.
Entretanto, o cenário mudou muito desde então. De acordo com o estudo do think tank Ember, no ano passado, 60% da eletricidade do Reino Unido foi gerada a partir de fontes limpas, sendo o vento e a energia solar combinados responsáveis por 33%. O país ainda depende do gás para 34% de sua produção de eletricidade, mas a geração de carvão foi cerca de 30 vezes menor do que em 2013, e representou apenas 1,4% da matriz elétrica do Reino Unido.
A expansão da energia renovável foi o motor desse colapso e a última usina de carvão foi desligada em Ratcliffe-on-Soar, na cidade de Nottingham, em setembro deste ano. Um marco histórico, pois a primeira usina elétrica a carvão do mundo foi construída em Londres, em 1882, por Thomas Edison. Do final do século XIX até a primeira metade do século XX, o carvão respondia por praticamente toda a eletricidade que iluminava as casas e empresas no Reino Unido. Além de um passo importante para a transição energética e para a sustentabilidade no país já que o carvão é um combustível fóssil mais poluente emitindo uma enorme quantidade de gás de efeito estufa quando queimado.
Atualmente, a Grã-Bretanha pretende atingir 87% de eletricidade renovável até 2030, enquanto o cenário de Emissões Líquidas Zero da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) estabelece uma meta global de 60% de eletricidade renovável até 2030.
O professor Joe Howe da University of Lincoln, na Inglaterra, tem formação em engenharia ambiental, geografia e planejamento. Além de professor, trabalha com a indústria em grandes projetos e iniciativas ambientais em todo o Reino Unido. Joe está bem envolvido com o tema do crescimento limpo do Reino Unido, durante a entrevista se mostrou animado por falar com a equipe do G20 Brasil, bem como otimista com o futuro. Para ele, cada vez mais o país está adotando o uso de energias renováveis como a eólica, solar e biomassa, inclusive, na sua visão, seria possível construir um corredor verde entre Brasil e Reino Unido para exportações e importações de biomassa.
Segundo o professor, existem leis específicas em vigor no Reino Unido sobre transição energética e com o tempo haverá aumento de penalidades associadas a emissões de hidrocarbonetos.
“Eu acho que o petróleo e o gás parecem estar chegando ao fim de sua vida útil. No Reino Unido, o foco nos próximos cinco anos, até 2030, é não ter hidrocarbonetos gerando energia, ou seja, tudo será gerado por renováveis. Então, o hidrogênio, por exemplo, pode impulsionar de 10 a 15% da nossa geração da energia”, disse.
Existe um debate e órgãos governamentais sendo criados para pensar em empregos no setor de energia limpa. Há também muita discussão no momento sobre reformar todo o sistema de planejamento do uso da terra para facilitar as usinas de biomassa, solar e eólica para transformar o Reino Unido em uma superpotência de energia limpa. Ele acredita que com o tempo os altos custos atuais para fazer uma transição serão nivelados pelo sistema tributário com os incentivos fiscais à indústria verde, bem como pelo próprio mercado.
“Deixe-me dar um exemplo disso, quando a energia eólica offshore começou no Reino Unido, era muito cara. E, agora, os custos são tão baratos quanto a energia gerada por petróleo e gás. Assim que tiver um mercado funcionando, com os produtos se desenvolvendo, consumidores querendo produtos verdes, serviços gerados com energia limpa, então o custo diminui e nos acostumamos a produzir coisas mais baratas”.
Assim como aconteceu com a energia eólica offshore, que é gerada em parques instalados em alto-mar que transformam ventos intensos em eletricidade, com o tempo os custos das novas fontes de energia, como o hidrogênio, vão diminuir e, eventualmente, cairão abaixo do custo dos hidrocarbonetos. Especialmente à medida que o mundo se move cada vez mais em direção à tributação das emissões de carbono, a atual emergência climática vai forçar os políticos, os acadêmicos e a indústria a dialogar entre si e buscar soluções, é o que o professor Joe Howe acredita.
Ele se mostrou contente com a reunião do G20 este ano acontecer na América Latina. “O Brasil é uma potência na América do Sul, o G20 está ocorrendo em um país de grande potencial econômico e ecológico. O encontro do G20 é complementar ao do G7, no qual muitos países já estão falando sobre crescimento verde. O Brasil agora tem em suas mãos o celeiro ecológico do mundo para definir algumas agendas por meio do G20, estou animado e acho que é absolutamente essencial para o planeta”.
Vivendo no extremo norte da Europa
Não muito distante do Reino Unido, outra nação tem repensado a sua forma de produzir energia. A Noruega, país convidado do G20, fica na Península Escandinava, no extremo norte da Europa, em uma área de cerca de 365 mil km quadrados com um grande potencial para recursos naturais. De acordo com dados do Banco Mundial (2023), 5,5 milhões de pessoas vivem no país em um clima com longos invernos onde é possível ver o fenômeno natural da aurora boreal.
O ministro de Energia da Noruega, Terje Aasland, concedeu uma entrevista exclusiva para o site do G20 Brasil na qual contou um pouco da história do seu país e de suas matrizes energéticas. Segundo Terje, a Noruega estava entre os países mais pobres do continente europeu há 124 anos atrás. No entanto, hoje tem um sistema hidrelétrico desenvolvido, além de boa capacidade de produção de energia utilizando fontes renováveis. Por exemplo, hoje no país 100% dos carros vendidos são elétricos.
Seguindo o espírito dos países escandinavos onde a carga tributária é mais elevada do que em outros países justamente para retornar em benefícios para o cidadão comum, o ministro acredita que os recursos naturais pertencem ao povo da nação. “Os recursos naturais pertencem às pessoas, é realmente importante que parte da renda gerada com essas riquezas da natureza deva ir para as pessoas da comunidade para construir bem-estar. E aí crescemos de um país pobre, em 1900, para ser um país rico em 2024. Isso foi possível porque lidamos com os recursos naturais como parte da propriedade pública que fornecemos por meio do governo”.
Terje conta que primeiro foi desenvolvido o sistema hidrelétrico utilizado para iniciar a industrialização no país, inclusive tiveram discussões sobre a quem pertencia as cachoeiras, antes de iniciar a construção do sistema. Então, em 1969, petróleo e gás foram descobertos na plataforma continental norueguesa no Mar do Norte e, nos últimos 20 anos, o país vem se concentrando em como descarbonizar a indústria petrolífera. Inclusive, as empresas do ramo pagam altas taxas de impostos para que o valor criado com esse recurso retorne para a população e dessa forma possa levar bem-estar à sociedade.
O país também tem investido em captura e armazenamento de carbono, uma técnica de separação artificial do dióxido de carbono (CO2) liberado na queima de combustíveis fósseis em siderúrgicas, fábricas de fertilizantes ou cimento, de outros gases antes dele chegar na atmosfera. Após a captura, o composto é comprimido em um líquido e é transportado para o armazenamento adequado. Em geral, no subsolo de formações rochosas ou minas de carvão abandonadas. É um procedimento caro por isso é economicamente mais interessante onde há um mercado de carbono com altos preços como na Europa.
“Nós agora temos a cadeia de valor desenvolvida para captura e armazenamento de carbono. É uma das principais tecnologias para enfrentar as emissões, especialmente, em setores de difícil abatimento. Em maio do ano que vem, vamos capturar CO2 de uma antiga fábrica de cimento na minha cidade natal, Telemark. Nós também já concedemos 10 licenças para armazenar CO2 na nossa plataforma continental”, afirmou o ministro.
De acordo com o ministro Terje Aasland, a Noruega apoia a presidência brasileira do G20 e as metas que foram estabelecidas no Grupo de Trabalho de Transições Energéticas. Ele acredita que os dois países têm interesses em comum e grande potencial de produzir energia renovável. Somado ao fato de que nenhum país é uma ilha, defende a cooperação e o suporte da sociedade de cada país.
“Eu direi mais uma coisa que acho muito importante, quando você está falando sobre transições energéticas, nós temos que trazer as pessoas conosco para que possamos vencer. Só podemos fazer isso com apoio público, então temos que garantir que a mudança aconteça com os empregos sendo salvos para criar mais solidariedade em uma perspectiva global”.
Fonte: G20.